A manifestação de apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) ocorrida no Rio de Janeiro no domingo (21), que teve até salva de palmas ao bilionário sul-africano Elon Musk, consolida uma tentativa de articulação por apoio internacional que a direita brasileira vem realizando nos últimos meses. Grupos de parlamentares de oposição já vinham entrando em contato com políticos conservadores e de direita nos Estados Unidos e na Europa e devem intensificar esse processo.
O assunto ganhou relevância internacional porque o embate entre Musk e o ministro do STF Alexandre de Moraes, ocorrido nos últimos dias, vem sendo visto como uma espécie de laboratório para o que pode ocorrer nas eleições americanas neste ano. Republicanos dos Estados Unidos temem sofrer censura do governo de Joe Biden.
Um comitê da Câmara dos EUA já vem investigado parcerias ilegais entre agências federais e o setor privado americano para limitar a liberdade de expressão. Foi o trabalho desse comitê que resultou na semana passada na divulgação de um relatório sobre os abusos de censura do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo contra mais de 150 perfis no X (antigo Twitter).
A viagem internacional mais recente de parlamentares da oposição foi em 10 de abril, em meio à divulgação dos documentos do Twitter Files, quando os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Gustavo Gayer (PL-GO), Ricardo Salles (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Julia Zanatta (PL-SC) e Marcos Pollon (PL-MS) foram ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo (França), para falar com parlamentares do grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), de direita, sobre liberdade de expressão e violações de direitos humanos. O próprio Musk compartilhou uma postagem sobre o encontro, criticando a censura no Brasil.
Bia Kicis, líder da minoria na Câmara, contou à Gazeta do Povo, na época da viagem, que a situação do Brasil já estava sendo monitorada por deputados europeus, que se mostraram “bastante impressionados com a situação política do Brasil” e dispostos a ajudar na defesa da liberdade e “contra qualquer tipo de censura”.
Em outra ocasião, em fevereiro, um grupo da oposição se reuniu com parlamentares do Partido Republicano em Washington, capital dos Estados Unidos. O objetivo da visita foi denunciar o comportamento do STF em relação aos inquéritos conduzidos por Moraes e as prisões dos envolvidos no 8 de Janeiro.
Este gesto de buscar democracias liberais no Ocidente como ponto de apoio para suas reivindicações internas mostra uma mudança no entendimento da direita legislativa sobre conexões estrangeiras, com destaque para a Europa. Não raro, o Parlamento Europeu era visto com desconfiança por parte dos congressistas conservadores brasileiros devido à aprovação de pautas progressistas – neste mês, por exemplo, o órgão aprovou uma resolução que pede que o direito ao aborto seja consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (UE).
Na avaliação do cientista político Marcelo Suano, docente no Ibmec São Paulo, a direita brasileira entendeu a necessidade de se articular internacionalmente de forma mais pragmática. “Era um posicionamento muito típico da direita em estar preocupada mais com os interesses nacionais, razão pela qual não se articulava muito internacionalmente”, avalia, citando ainda que a visão crítica sobre o globalismo atrapalhou o desenvolvimento de uma articulação internacional.
“Houve uma forma de trabalhar em que se identificava o modo de articulação global como globalismo. O globalismo foi uma forma como a esquerda se articulou em função de certos valores ou combatendo os valores tradicionais da sociedade. A direita sempre dizia: ‘os globalistas são contra os soberanistas’. Mas olha que coisa interessante: ao dizerem que os globalistas combatem os interesses nacionais, o que de certa maneira está correto, também se combatia a própria articulação internacional”, acrescentou o cientista político.
Ele comentou ainda que a centro-direita no parlamento europeu tem apreço por Elon Musk pelo papel que ele desempenhou no começo da guerra na Ucrânia, e que isso pode impactar na percepção dos eurodeputados sobre as denúncias que o bilionário vem fazendo sobre a censura no Brasil.
Vitórias eleitorais da direita ajudam na estratégia
As visitas a Washington e Estrasburgo se somam a outros esforços feitos pela oposição para angariar apoio internacional contra a censura imposta pelo Judiciário. Em fevereiro deste ano, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) participou da Conferência Anual de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) 2024 e criticou as atitudes da Suprema Corte brasileira contra apoiadores de seu pai.
“Esse clima persecutório se expandiu com a censura e perseguição a críticos do atual governo. E, sob a desculpa de preservar a democracia que já não existe, estes tiranos esmagaram a oposição política no país”, afirmou Eduardo na época. Também participaram deste evento o ex-presidente dos EUA Donald Trump, o presidente da Argentina, Javier Milei, e o presidente de El Salvador, Nayib Bukele.
Com a eleição de Milei, em dezembro de 2023, deputados de direita também buscaram no chefe do país vizinho uma ponte de articulação para fortalecer a direita local e derrotar a esquerda em um país importante da América Latina.
“Que a Argentina seja um exemplo e apenas a primeira de muitas mudanças para melhor no nosso continente. Milei é um passo decisivo rumo à liberdade da América Latina”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na época.
Além disso, a vitória eleitoral da direita em outros países, como o desempenho do partido português Chega, animam a oposição em reverter o cenário eleitoral no Brasil. Em março, a sigla de direita nacionalista saiu de 12 parlamentares para 50, entre as 230 cadeiras da Assembleia da República de Portugal.
Reação do STF a Musk favoreceu oposição
O comportamento de ministros do STF em relação às críticas feitas por Musk a Moraes é avaliado por analistas como um ponto que pode reforçar o discurso da oposição no cenário internacional. Ao incluir o magnata americano nos inquéritos das “milícias digitais” pela ameaça de descumprimento de ordem judicial, Moraes teria amplificado a percepção internacional de que há censura no país.
Na avaliação do cientista político Elton Gomes, o mesmo pode ser dito sobre o apoio que Moraes recebeu dos ministros do STF, como Gilmar Mendes e Carmen Lúcia. O decano do STF classificou como “retórica nefasta” a existência de liberdade ilimitada no ambiente virtual. Já a vice-presidente do TSE disse que uma decisão pode ser criticada e questionada, mas não descumprida.
“Vemos essa série de eventos se somando e montando um momento estratégico para a oposição. Essa visibilidade do exterior, principalmente em um contexto de redes sociais, traz um impacto bastante significativo. Qual foi o erro estratégico dos atores judiciais e políticos brasileiros? Ao invés deles responderem dentro das suas instituições, eles foram para o tribunal público da internet onde o Elon Musk é exímio. Ao lutar no terreno em que ele é imbatível, acabaram se prejudicando enormemente”, disse Elton.
O cientista político exemplificou citando uma pesquisa da Genial/Quaest, publicada em 9 de abril, que mostrou que, no debate “Musk versus STF” nas redes, a Suprema Corte detinha 68% de interações negativas, enquanto 32% criticavam Musk – o levantamento mediu as conversas sobre o caso nas redes da meia-noite de domingo (7) até as 13h de terça-feira (9), período em que Musk criticou Moraes e o ministro do STF abriu o inquérito contra o bilionário.
As menções foram coletadas do X, Instagram, Facebook e YouTube, e de sites de notícias. A média de menções diárias no período foi de 865 mil, com alcance de 72 milhões de usuários. O pico de comentários sobre o tema foi registrado por volta das 21h de domingo (7).
“Tudo isso vai se somando e criando o que chamamos na ciência política de ‘efeito cascata’, ou seja, múltiplos elementos que vão se somando para criar uma situação. Isso afeta diretamente a Suprema Corte e sua legalidade, do presidente da República, que está ligado aos ministros; de congressistas e influenciadores de esquerda”, acrescentou o cientista político.
Parlamentares acionam órgãos após revelações do Twitter Files Brasil
Além de autoridades internacionais, a oposição também oficiou órgãos brasileiros sobre as revelações do Twitter Files Brasil, revelados pelo jornalista Michael Shellenberger com colaboração da Gazeta do Povo. Antes da divulgação do relatório americano sobre a censura no Brasil, o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, havia protocolado uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) cobrando uma investigação sobre as denúncias apresentadas.
Os documentos foram assinados por 50 parlamentares, entre deputados e senadores. Eles alegam que as exigências feitas por autoridades judiciais, sem expressa ordem judicial, violam o Marco Civil da Internet.
“Os relatos trazidos pelo jornalista (Michael Shellenberger), com base em documentos internos divulgados pelo Twitter, são graves, já que indicam o TSE, sem base legal, teria feito exigências de censura para impedir que cidadãos comentassem sobre políticas e procedimentos eleitorais, além de atuação contra parlamentares federais que são invioláveis por opiniões, palavras e votos”, disse Marinho em representação à PGR.
Na requisição feita à ANPD, a oposição requer a verificação de possíveis infrações às leis de proteção de dados dos cidadãos brasileiros. “Identifica-se nos relatos da matéria possíveis violações à Lei Geral de Proteção de Dados, ao Marco Civil da Internet e a direitos e garantias fundamentais que representam tratamento ilegal de dados pessoais pelas plataformas digitais, que estão a chamar a atuação dessa Agência Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD)”, afirma o líder da oposição no Senado.