Ao escutar um patrão se referir aos seus empregados como “colaboradores”, um alarme soa alto em minha mente. Se não possuímos ações na empresa nem voz nas decisões, é sensato não cair nesse jogo. Somos trabalhadores, e devemos manter isso claro. Deixemos a colaboração para aqueles que realmente compartilham dos lucros e das decisões, enquanto nós nos concentramos em vender nossa força de trabalho, preferencialmente com todos os direitos trabalhistas resguardados.
Cada vez que retorno de uma viagem a São Paulo, trago comigo para Minas uma birra imensa aos clichês corporativos, sem mencionar a invasão de estrangeirismos. A cena de um “brainstorming” em um “workshop” para fornecer “feedback” aos “stakeholders” me leva a questionar: por que não simplificar e chamar simplesmente de reunião?
A batalha contra os estrangeirismos parece algo quixotesco diante da proliferação do termo “colaborador”, especialmente à medida que reformas trabalhistas, como as implementadas durante os governos de Michel Temer, em 2017, e Jair Bolsonaro, em 2020, minam ainda mais nossos direitos.
Cada vez que retorno de uma viagem a São Paulo, trago comigo para Minas uma birra imensa aos clichês corporativos
Peço desculpas por citar de supetão os ex-presidentes anti-trabalhadores neste Dia do Trabalho. Para equilibrar, permitam-me uma pitada de sociologia, citando o velho barbudo.
Karl Marx, em sua análise da sociedade capitalista, destacou a luta de classes, com a oposição entre os proprietários dos meios de produção (burguesia) e aqueles que vendem sua força de trabalho (proletariado).
Aqui entra a figura do “trabalhador”. Este termo carrega consigo uma história de luta e resistência. O trabalhador é aquele que com grandes sacrifícios, movimenta a economia e sustenta a sociedade.
Trabalhador (repitam comigo: trabalhador!) evoca solidariedade de classe e a necessidade de organização para reivindicar direitos e melhorias nas condições de trabalho. Por isso, é feriado hoje, seja para apreciar uma cerveja morna ou um show de pagode, em alguma praça enfeitada com balões e bandeiras das centrais sindicais.
Claro, a participação na festa é opcional. Exceto para os colaboradores que, sentindo-se proprietários da empresa, atendem demandas pelo WhatsApp no feriado. Essa nomenclatura não é à toa. Ao chamar alguém de colaborador em vez de trabalhador, uma mudança perceptível nas relações de trabalho é introduzida.
O colaborador é retratado como aquele que contribui ativamente para o sucesso da empresa, alinhando seus interesses aos do empregador. Reduzindo ao meme: é aquele que vibra quando o patrão compra um carro novo.
O termo colaborador ameniza as hierarquias e cria uma ilusão de parceria entre empregador e empregado. Entretanto, essa abordagem obscurece as assimetrias de poder e mina a solidariedade de classe, essencial para avanços em direitos trabalhistas.
A linguagem desempenha um papel fundamental na construção da hegemonia, especialmente nas relações de trabalho. Ao substituir “trabalhador” por “colaborador”, as empresas alteram a percepção pública das relações trabalhistas, fortalecendo uma visão ideológica que beneficia o status quo.
Como escreveu o procurador do Ministério Público do Trabalho e professor da Universidade Federal Fluminense, Cássio Casagrande, em um artigo para o site Jota: “O discurso linguístico nunca é neutro e embute, é claro, uma ideologia”. Para Casagrande, a lógica do eufemismo é clara: “disfarçar ou suavizar a condição de subordinação e exploração (lícita) do trabalhador”.
Casagrande explica que o termo “colaborador” foi forjado pelo patronato, não pela classe trabalhadora, que utiliza o termo “peão”. A linguagem impede que o trabalhador reconheça as divisões de classe, sua posição subalterna e a sujeição às ordens e disciplinas do empregador. “Para que, enfim, não note a sua identidade ‘proletária’ e, em razão de seu status, não se solidarize (via sindicalização) com os seus iguais”, escreveu o procurador.
Os sindicatos, conforme explica o professor, são os obstáculos à aliança de “co” “laboração” entre patrões e empregados. Fato é que os sindicatos representam os interesses coletivos dos trabalhadores, lutando por melhores condições de trabalho e negociando acordos coletivos com o patronato.
No entanto, essas conquistas estão constantemente sob ameaça em um cenário de crescente flexibilização e precarização do trabalho. A terceirização, a informalidade e a erosão dos direitos trabalhistas são apenas algumas das tendências que colocam em risco as garantias conquistadas ao longo de décadas de luta.
A linguagem assume um papel estratégico nesse contexto, pois molda não apenas a percepção pública das relações de trabalho, mas também influencia as políticas e práticas adotadas pelas empresas e pelo Estado.
Por isso, nesse Dia do Trabalhador, que completa 100 anos em 2024 como feriado nacional, fica a dica: Colaboradores do mundo, caiam na real.