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    Reforma tributária gera debate sobre “pecado”, álcool e carne

    PUBLICAÇÃO

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    O primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária será objeto de muita discussão em comissões e nos plenários da Câmara e do Senado nos próximos meses.

    Alguns pontos mais específicos do projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, no entanto, devem gerar debates mais intensos, notadamente os dispositivos que fixam isenções e alíquotas diferenciadas para determinados setores e os que estabelecem os produtos alvo do chamado “imposto do pecado”.

    Conforme emenda constitucional promulgada no fim do ano passado, a reforma tributária substituirá os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que, juntos, formarão um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) “dual”. Além disso, a reforma cria um imposto seletivo, voltado à sobretaxação de produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.

    Confira a seguir alguns dos trechos que já geram polêmica e devem provocar debates na análise do projeto:

    Composição da cesta básica, isenta dos novos impostos

    Um dos pontos que mais geraram discussão desde a apresentação do PLP 68 foi a composição da cesta básica, cujos itens serão isentos da CBS e do IBS.

    Segundo o governo, os itens foram selecionados priorizando alimentos in natura ou minimamente processados e aqueles consumidos majoritariamente por famílias de baixa renda. A lista inclui 15 classes de produtos:

    • Arroz;
    • Leite
      fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultraprocessado; leite em
      pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por
      previsão legal;
    • Manteiga;
    • Margarina;
    • Feijões;
    • Raízes e
      tubérculos;
    • Cocos;
    • Café;
    • Óleo de
      soja;
    • Farinha
      de mandioca;
    • Farinha,
      grumos e sêmolas de milho, e grãos esmagados ou em flocos de milho;
    • Farinha
      de trigo;
    • Açúcar;
    • Massas;
      e
    • Pão do
      tipo comum, contendo apenas farinha de cereais, fermento biológico, água e sal.

    Além
    dessas, três outras categorias que não fazem parte da cesta básica também terão
    alíquota zero:

    • Produtos
      hortícolas;
    • Frutas;
      e
    • Ovos

    No mesmo dia em que a relação veio à público, parlamentares de oposição e entidades representativas de setores alimentícios e do varejo criticaram a escolha do governo. O deputado Domingos Sávio (PL-MG), presidente da Frente Parlamentar do Comércio e Serviços (FCS), classificou a lista de 18 itens da cesta do governo como “miserável”.

    “O Parlamento já deixou claro que defenderíamos uma cesta básica ampla, que garanta condições nutricionais plenas e saudáveis”, disse. “Agora o governo apresenta uma cesta que não tem uma proteína. Praticamente exclui todas as carnes, bovina, suína, de aves, de peixes. Só deixa ovo. É uma cesta miserável, um retrocesso em relação a que temos”, disse.

    No atual sistema tributário, 745 alimentos são isentos de tributos federais.

    A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) também se
    manifestou, em nota, contra a lista proposta. A bancada quer estender a isenção
    para sal, carnes, óleos, gorduras, sucos naturais, castanhas e nozes, molhos
    preparados e condimentados, biscoito, bolos, chá e mate.

    A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) se
    manifestou em reconhecimento ao esforço empreendido pelo governo na elaboração
    de PLP para regulamentar a reforma tributária, mas ponderou que “a
    lista de produtos apresentada para compor a Cesta Básica Nacional de Alimentos
    isenta de tributos precisa ser aprimorada”.

    “A Abras antecipa que, desde já, defenderá a inclusão das
    proteínas de origem animal na lista de produtos isentos, por entender que são
    parte essencial da alimentação saudável”, afirmou a entidade.

    “A proposta do Ministério da Fazenda não considerou sequer o
    decreto assinado em março pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante
    reunião do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea),
    regulamentando a nova composição da cesta básica, que previa 10 grupos
    diferentes de alimentos, dentre eles as carnes”, prossegue a nota da
    associação.

    “Vale destacar ainda, que, de acordo com o Guia Alimentar
    para a População Brasileira do Ministério da Saúde, documento usado como
    referência pelo Ministério da Fazenda para a composição dos itens, ‘a
    alimentação da população brasileira deve ser baseada em alimentos in natura ou
    minimamente processados’ e, dentre eles, estão listadas as carnes de gado, de
    porco, de aves e pescados frescos, resfriados ou congelados”.

    Conforme a proposta do governo, carnes vermelhas e brancas, peixes e crustáceos em geral terão a alíquota reduzida em 60%, com exceção de produtos muito específicos como foie gras, salmonídeos, atuns, bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos.

    “Ao ficar na alíquota reduzida, já há diminuição na tributação da carne no Brasil em relação à situação atual”, garantiu o secretário extraordinário para a Reforma Tributária, Bernard Appy. Segundo ele, se todas as proteínas animais tivessem isenção dos novos impostos, a alíquota padrão do IVA subiria de 26,5% para 27,1%.

    Alimentos com alíquota reduzida em 60%

    Mesmo em relação à
    lista de alimentos que terão a carga tributária reduzida em 60%, há pressão de
    determinados setores para uma ampliação que estenda o benefício para mais
    indústrias do setor.

    Antes mesmo do envio do PLP 68 pelo governo ao Congresso, deputados de oposição protocolaram propostas alternativas de regulamentação da reforma, uma delas com uma abrangência bastante elástica para o benefício tributário.

    Pelo PLP 48, teria a alíquota do imposto reduzida em 60% qualquer tipo de alimento, que fica definido no texto como “toda substância que se ingere”, “incluídas as bebidas” e “excluídos os cosméticos, o tabaco e as substâncias utilizadas unicamente como medicamentos”. O projeto é de autoria do deputado de oposição Joaquim Passarinho (PL-PA), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE).

    A ideia está em linha com o que pleiteia a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). “Durante todos os trabalhos da reforma tributária a Abia sempre defendeu que todos os alimentos pagassem menos impostos e que o Brasil se espelhasse nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico], onde a média de tributação dos alimentos é de 7%. É a oportunidade que o Brasil tem de combater a fome, a insegurança alimentar e fazer justiça social por meio de alimentos”, afirmou a associação em nota.

    Serviços de educação com alíquota reduzida em 60%

    A proposta do
    governo de regulamentação da reforma tributária prevê nove
    categorias de serviços de educação
    que terão direito a um desconto de 60%
    na alíquota de referência do novo IVA, projetada pelo Ministério da Fazenda em
    torno de 26,5%.

    “Apesar de conter todas as etapas tradicionais do ensino infantil,
    fundamental, médio e superior, a lista de serviços educacionais com redução de
    alíquota surpreendentemente não abrange escolas de idiomas estrangeiros. A
    proposta do Executivo se limita ao ensino de libras e de línguas nativas dos
    povos originários”, destaca Arthur Gurgel, advogado do escritório Lavocat
    Advogados.

    No sistema tributário atual, a carga sobre a prestação de
    serviços educacionais é composta pelo Imposto sobre Serviços (ISS), que tem alíquota
    entre 2% a 5%, conforme limitado pela Lei Complementar 116/2003, e as
    contribuições federais de PIS/Cofins de 3,65%.

    “Assim, caso não haja alterações, o destino provável é a incidência de 26,5% sobre serviços educacionais de alta relevância que hoje têm uma carga tributária mais baixa. Em outras palavras, de acordo com o projeto apresentado, tornar-se bilíngue poderá ficar mais caro”, diz Gurgel.

    Ficaram de fora ainda cursos livres, como de corte e
    costura, culinária e pintura, além de academias de ginástica, que, durante as
    negociações do projeto, também buscavam se enquadrar na categoria de serviços
    educacionais.

    Pela proposta do
    PLP 48, texto alternativo de regulamentação da reforma apresentado pela
    oposição, essas modalidades estariam contempladas com o desconto. Conforme a
    redação apresentada pelo deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), seriam
    considerados serviço de educação:

    • atividade organizada por pessoas jurídicas ou
      naturais destinada à oferta de conteúdo organizado em programas educacionais,
      sejam eles regulares ou não, de nível básico, inclusive creches, pré-escolas,
      ensino fundamental e ensino médio, profissionalizante, técnico, tecnológico ou
      superior, formação sequencial ou cursos livres, independentemente de serem
      ministrados em estabelecimento de ensino formal;
    • oferta de atividades complementares aos
      programas educacionais descritos, inclusive em contraturno;
    • atividades-meio acessórias ao funcionamento das
      instituições de ensino, quando desenvolvidas pela própria parte do contrato de
      prestação de serviços educacionais.

    Imposto seletivo sobre refrigerantes e demais bebidas açucaradas

    Outro ponto que já gera reclamações é a previsão de
    incidência do imposto seletivo sobre bebidas açucaradas. O tributo, apelidado
    de “imposto do pecado”, entra em vigor a partir de 2027 e será voltado a
    desestimular o consumo de produtos considerados nocivos à saúde e ao meio
    ambiente.

    Para a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir), a proposta de um imposto seletivo sobre bebidas açucaradas é motivo de preocupação. 

    “Acreditamos que, se o objetivo do governo é abordar efetivamente o problema da obesidade, não deveria se concentrar em penalizar um único ingrediente de um produto que é consumido por brasileiros de todas as classes sociais”, declarou o presidente da Abir, Victor Bicca, em nota.

    “Essa medida vai na contramão das tendências de tributação internacional. É essencial que qualquer esforço para combater a obesidade considere um espectro mais amplo de intervenções, incluindo educação nutricional, incentivos para estilos de vida saudáveis e políticas públicas abrangentes que abordem as múltiplas causas do problema”, completou.

    Fernando Rodrigues de Bairros, presidente da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), argumenta que culpar exclusivamente bebidas açucaradas por problemas de saúde como obesidade é inconsistente, considerando que estresse, padrões alimentares e outros fatores também desempenham papel significativo nesse contexto.

    A inclusão de bebidas açucaradas no rol de alvos do “imposto
    do pecado” também é contestada pela Abia. “Com relação ao imposto seletivo, não
    acreditamos que ele tenha eficácia contra obesidade e doenças crônicas, que se
    combatem com informação e educação nutricional”, declarou a entidade.

    No ano passado, pesquisa encomendada pela Abia mostrou que a
    possibilidade de uma sobretaxação de alimentos e bebidas considerados
    prejudiciais à saúde é rejeitada por 90% dos brasileiros.

    O governo justifica a decisão alegando haver “consistentes evidências de que o consumo de bebidas açucaradas prejudica a saúde e aumenta as chances de obesidade e diabetes em diversos estudos realizados pela Organização Mundial da Saúde [OMS]”.

    Ainda segundo a justificativa do projeto de lei complementar, a tributação foi considerada pela OMS como um dos principais instrumentos para conter a demanda deste tipo de produto. Segundo a entidade, 83 países membros já tributam bebidas açucaradas, especialmente refrigerantes.

    Alíquota do imposto seletivo sobre bebidas alcoólicas

    No caso das bebidas
    alcoólicas, que hoje já são sobretaxadas pelo Imposto sobre Produtos
    Industrializados (IPI), a discussão se dá em relação à base de cálculo do novo
    tributo. Pela proposta do governo, a alíquota do imposto seletivo levará em
    conta a quantidade de álcool de cada produto.

    A fórmula coloca em lados opostos fabricantes de cervejas, favoráveis à base de cálculo, e de bebidas destiladas, que, antes mesmo da apresentação do PLP 68, vêm defendendo uma cobrança do “imposto do pecado” igual para os produtos, independentemente do teor alcoólico. A disputa deve prosseguir durante a tramitação do projeto no Congresso.

    A Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) chegou
    a lançar uma campanha, intitulada “Álcool é Álcool”, por meio da qual argumenta
    350ml de cerveja com teor de 5% contém a mesma quantidade de álcool de um
    pequeno copo de vinho (150ml com teor alcoólico de 12%) e de medida de
    destilado (40ml com teor alcoólico de 40%) – 14 gramas.

    “Se a indústria cervejeira quer realmente mais
    conscientização, menos desinformação e melhores resultados de saúde para todos,
    deveria apoiar o envio de sinais mais claros e corretos para os consumidores de
    bebidas alcoólicas e para a sociedade no Brasil, como, por exemplo, apoiando a
    definição de uma Dose Padrão”, diz carta aberta publicada
    pela entidade
    .

    A ABBD ainda ressalta, a partir de dados publicados pela KMPG em maio do ano passado, que brasileiros consomem, por ano, 84 litros de cerveja per capita, contra 4,1 litros de destilados. “Isso significa que o consumo de cerveja não pode ser afastado das consequências prejudiciais do consumo excessivo, incluindo impactos na saúde, acidentes de trânsito e lesões”, diz a associação.

    A indústria da cerveja, por sua vez, se ancora em
    referências internacionais. “[Tributação por teor alcoólico] é orientação
    da OCDE, da OMS e do FMI, inclusive de exemplos com casos de sucesso em vários
    países, como Rússia, Inglaterra, Espanha e Austrália”, disse Márcio Maciel,
    presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, em uma audiência pública
    no Congresso em março.

    “Não dá para tratar desiguais como se fossem iguais”, acrescentou
    Diego Tinoco, da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), na
    mesma sessão.

    Imposto seletivo sobre carros e mineração

    A inclusão de
    carros e da extração de petróleo, gás natural e minério de ferro entre as categorias
    de incidência do imposto seletivo também gera polêmica.

    Para a advogada Fernanda Pazello, sócia tributarista da
    TozziniFreire Advogados, a regulamentação proposta pelo governo para o imposto
    seletivo “denota um intuito arrecadatório e não extrafiscal de coibir
    comportamentos”.

    “[O projeto] elenca muitos produtos sem nexo de causalidade
    especialmente com meio ambiente, como é o caso dos automóveis e os critérios
    considerados; e os bens minerais, com a inclusão do gás natural e o minério de
    ferro”, diz.

    A Associação Nacional
    dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) afirma que o desincentivo à compra
    de novos automóveis prejudica o processo de descarbonização, que ocorreria com
    a renovação da frota.

    Na justificativa do
    PLP 68, o governo alega que “a incidência do IS [imposto seletivo] sobre
    a aquisição de veículos, aeronaves e embarcações justifica-se por serem
    emissores de poluentes que causam danos ao meio ambiente e ao homem”. O texto
    prevê redução na alíquota do tributo para carros com menor potencial poluente.

    O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) diz que haverá perda de competitividade no setor e da economia brasileira caso seja fixada a alíquota de 1% do imposto, limite máximo previsto na emenda constitucional da reforma tributária.

    “Vai resultar em onerosidade para o consumidor, que vai pagar mais caro em praticamente todos os produtos por causa do imposto que será cobrado lá no início da cadeia. Isso desce para tudo: petroquímica, indústria de vidro, construção civil, geração térmica, aço e até o agronegócio“, disse Roberto Ardenghy, presidente do IBP, ao “Poder360”.

    Cálculos da entidade projetam um impacto anual de R$ 7 bilhões (US$ 1,5 bilhão) no setor, considerando a atual cotação do barril de petróleo e a alíquota de 1% do “imposto do pecado”.

    Outros pontos da regulamentação que devem gerar debate

    Para Fernanda Pazello, outros pontos que chamam a atenção no
    projeto do governo e que devem gerar discussão mais intensas no Congresso
    incluem:

    • A previsão de tributação debenefícios concedidos por empresas a seus funcionários;
    • O conceito de descontos condicionais e incondicionais e se os descontos condicionais representariam receita ou redução de custo a justificar sua tributação;
    • O condicionamento do efetivo recolhimento na etapa anterior para concessão de crédito de IBS e da CBS, o que poderá prejudicar contribuintes em razão da dificuldade de comprovação;
    • A vedação ao aproveitamento de crédito de PIS e Cofins sobre bens e serviços recreativos, esportivos e estéticos quando não “necessários à realização da operação pelo contribuinte”, o que pode trazer discussões quanto aos serviços que são fornecidos pelas empresas em prol dos seus funcionários;
    • A proteção somente às exportações – demais hipóteses de imunidade e isenção não terão direito à manutenção do crédito de IBS e CBS;
    • A ausência de alguns temas na regulamentação do período de transição para o novo modelo, como o saldo credor de ICMS e a necessidade de as empresas esgotarem-no antes de 2032; maneiras para reduzir o saldo credor de PIS e Cofins com a entrada em vigor já em 2027 da CBS; e a discussão sobre o que seriam benefícios onerosos de ICMS em razão da discussão atual de subvenção para investimento;
    • O desconto na alíquota de produtos menstruais, que não foi incluído na lista de produtos isentos.



    As informações são do site Gazeta do povo, Clique aqui

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