A tragédia climática que acomete o Rio Grande do Sul, por sua extensão e número de afetados, já é um dos maiores e mais terríveis eventos naturais vividos no Brasil. Parece até ser um brado final das forças da natureza alertando que estamos próximos ao ponto de não retorno.
Enquanto escrevo essas linhas, já são 90 mortos e 132 desaparecidos. Mais de 200 mil pessoas foram obrigadas a deixar suas casas e mais de 1,3 milhão foram atingidas de alguma forma. Sabe-se que as famílias em vulnerabilidade social são mais severamente afetadas, seja por morarem em áreas de risco, seja por não terem reservas financeiras para se manter. Infelizmente, o quadro ainda pode piorar, de maneira que o foco total no momento é salvar vidas e fazer todo o possível para aliviar o sofrimento da população.
As perdas materiais ainda permanecem imensuráveis, porque, das 364 cidades atingidas, a maioria segue submersa e com alerta de mais chuvas nos próximos dias. Mas, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, a apuração de prejuízos registrados pelo agronegócio em apenas 25 cidades aponta para 500 milhões de reais. Ou seja, a devastação é imensa.
Na capital, Porto Alegre, também o cenário é de guerra. De acordo com a prefeitura, o desabastecimento de água potável afeta mais de 70% da população, em virtude do não funcionamento de quatro das seis estações de tratamento. Outros gêneros de primeira necessidade também começam a faltar nos supermercados, já que a maioria das estradas seguem bloqueadas e o aeroporto teve que ser fechado.
Mesmo quando a água baixar, a volta ao normal será lenta e complexa, porque haverá todo um processo de reconstrução a ser feito, a começar por equipamentos públicos, como escolas e unidades de saúde, e o tratamento dos flagelos decorrentes das enchentes, como as doenças, fechamento de lojas e comércios, perda de empregos e etc.
Em meio a tamanha tristeza e desolação, é inescapável falarmos a sério sobre a emergência climática e as políticas públicas para minimizar seus efeitos, que têm sido tão negligenciadas no País.
Não é mais possível aos agentes públicos a alegação de surpresa com as tragédias. Nos últimos nove anos o aquecimento do planeta foi constante, sem que os esforços necessários para deter a marcha tenham sido feitos.
No caso brasileiro, puxando pela memória, só nos últimos anos tivemos eventos extremos, que resultaram em dezenas ou centenas de vítimas, em Petrópolis (RJ), no sul da Bahia, em São Sebastião (SP), recentemente em Minas Gerais e norte do Espírito Santo e, no mesmo Rio Grande do Sul, com os ciclones extratropicais de 2023. Será possível e razoável que, diante desse cenário, o município de Porto Alegre não tenha investido nenhum real na prevenção de enchentes no ano passado? É surreal!
Ainda assim, a pauta de bancadas conservadoras no Congresso e muitas Assembleias Legislativas segue o negacionismo climático e prevê mais e mais desmonte nas leis e nos órgãos de proteção ambiental. Mesmo com a melhora no governo do presidente Lula, segue um desafio impedir as queimadas e o desmatamento predatório, que hoje afetam principalmente o Cerrado.
As únicas notas de esperança nesse triste episódio vêm da grande corrente de solidariedade ao povo gaúcho, que tem mobilizado todo o País, e da demonstração de união e maturidade institucional dos Três Poderes e de todos os níveis de governo para o enfrentamento emergencial. Graças a isso, vidas estão sendo salvas e, em tempo recorde, o Congresso Nacional votou projeto enviado por Lula para facilitar a liberação de recursos, além de criar um espaço orçamentário para que se garanta o auxílio necessário à reconstrução.
O problema é que, mais uma vez, estamos fechando a tranca depois da porta arrombada. Até quando essa será a triste sina de um país que teima em não aprender com os próprios erros? Espero que seja a última, porque a natureza não aguenta mais esperar.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.