A 28ª edição da Parada do Orgulho LGBT+, em São Paulo, busca conferir um novo significado às cores verde e amarelo da bandeira brasileira neste domingo 2, na Avenida Paulista. Em ano de eleições municipais, o evento também adota o lema “Basta de negligência e retrocesso no Legislativo. Vote consciente por direitos da população LGBT+”.
A ideia de ocupar a Paulista em um mar verde e amarelo, aliado às cores do arco-íris, não é nova entre os organizadores da ParadaSP, mas a ideia ganhou força após Madonna subir ao palco em Copacabana, no Rio de Janeiro, ao lado da cantora e drag queen Pabllo Vittar vestindo as cores da bandeira do Brasil.
“Esse foi o start de que a gente precisava para retomar a ideia e, enquanto movimento e sociedade, dizer: ‘não, essa bandeira também é nossa’”, enfatiza Nelson Matias, presidente da ParadaSP, em entrevista a CartaCapital.
Os organizadores pretendem, assim, encarar a difícil missão de dissociar o verde e o amarelo das manifestações de extrema-direita. Após as jornadas de junho de 2013, as camisas da seleção brasileira de futebol se tornaram um símbolo da ascensão do bolsonarismo.
“Foram anos de um pseudopatriotismo e nacionalismo que sempre vão tentar pregar a exclusão. Por isso, vamos chamar a população LGBT+ para levar a bandeira para a rua e restabelecer o sentimento de união nacional”, diz Matias.
Na entrevista, ele destaca que o tema desta edição e a retomada do símbolo nacional podem ajudar a dissipar a dicotomia “nós ou eles” promovida pela extrema-direita contra minorias. Confira os destaques:
CartaCapital: Houve alguma resistência entre os organizadores sobre adotar as cores verde e amarelo?
Nelson Matias: Foi amplamente aceito, porque é um anseio de todo mundo, da nossa sociedade. Eu ouvi de diversas pessoas: “poxa, estou com a minha camisa do Brasil guardada porque eu tenho vergonha de usar, não quero ser confundido com uma pessoa antidemocrática”. Está todo mundo assim, então, é um momento muito oportuno.
E o tema “Basta de negligência e retrocesso no Legislativo” passa por essa questão da própria pátria. Houve uma dicotomia, uma tentativa de ruptura entre “nós e eles”. Aqueles que representavam a pátria e aqueles que não representavam. Agora, vamos dizer: “não, essa bandeira sempre foi nossa”.
Acho que vai ser um divisor de águas no processo de usurpação desse símbolo nacional. As pessoas vão se sentir encorajadas a usar, vamos retomar definitivamente.
CC: Há um risco de a extrema-direita tentar criar factóides ou descontextualizar as imagens da Parada, com as cores da bandeira e em uma avenida emblemática para o bolsonarismo?
NM: Isso vai existir de qualquer forma, eles vivem de factoides e fake news, mas eu não vou me basear nisso para tomar a decisão. Estamos sendo explícitos aqui e temos uma carta aberta que será entregue ao Congresso: precisamos de uma resposta do Legislativo sobre leis específicas para assegurar os direitos LGBTs.
Hoje, não temos leis no País que assegurem nossos direitos. Nossas conquistas foram asseguradas pelo Supremo Tribunal Federal, que interpreta leis existentes para nos assegurar direitos naquilo que o Congresso deixou de fazer.
Existe um retrocesso nisso. A gente viu o Congresso tentando aprovar um PL que visa acabar com o casamento homoafetivo. Isso é uma negligência.
E não é verdade que o bolsonarismo tem histórico com a Avenida Paulista. Nós estamos lá há 28 anos com pautas muito consistentes. A Paulista sempre foi um local de manifestações democráticas. E o bolsonarismo é movido por uma grande máquina que é a igreja – mesmo com todo esse aparelhamento, as últimas manifestações deles foram um fracasso. É um movimento em plena decadência, como deveria ser. Então, eu não tenho nenhum medo de que a gente seja comparado.
CC: Com as cores da bandeira, grupos extremistas de direita podem se infiltrar nos arredores do trajeto e apresentar risco aos manifestantes da ParadaSP?
NM: Nós não vamos temer. Se nós entrarmos nesse pensamento, vamos dar palco para o bolsonarismo. Eles não são os protagonistas neste momento, nós somos. A polícia é sempre avisada sobre o trajeto e sobre as questões de segurança.
E com essa pergunta fica muito claro que o bolsonarismo é um risco para a sociedade. A gente sabe que boa parte deles tem as suas ideologias neofascistas e pode chegar ao extremo. Neste ano, já tivemos muitas reuniões com a Polícia Militar, diferente do ano passado, quando tivemos ameaças concretas e deputados receberam cartas de ameaça, mas felizmente tivemos apoio e a 27ª edição ocorreu normalmente.
CC: O governador Tarcísio de Freitas e o prefeito Ricardo Nunes têm uma imagem atrelada ao apoio de Jair Bolsonaro e às pautas conservadores. A ParadaSP enfrentou alguma dificuldade política para manter a 28ª edição?
NM: Nenhuma, porque, primeiramente, o governador e o prefeito são seres políticos. Por mais que eles tenham ideologicamente uma corrente partidária ou um pensamento que não seja progressista, eles sabem que estão no cargo e têm que governar para todos.
Além do mais, a Parada já é um evento consolidado há 28 anos, já temos um decreto da cidade no qual a Parada é reconhecida como algo da cidade. E o aporte que a prefeitura dá é muito pouco, é basicamente a parte da estrutura e da segurança. O restante vem da sociedade civil e das associações que financiam a Parada.
CC: Existe uma estimativa para o público da Parada neste ano?
NM: Na verdade, é uma linha muito tênue. Hoje, você não tem um órgão que contabiliza esse número, então, são sempre narrativas. A polícia deixou de fazer isso há muito tempo. Quando a polícia contabiliza, ela precisa justificar a quantidade de efetivo deslocado para atender ao número de manifestantes, e ela não tem um efetivo para um número tão grande de pessoas.
O que nós usamos são os parâmetros do réveillon, quando se diz que é ocupado por aproximadamente 2 milhões de pessoas, mas é um evento estático, parado. A Parada tem uma questão atípica porque ela anda, as pessoas chegam ao longo do dia inteiro. Então, como utilizar um parâmetro?