A volta dos trabalhos do Congresso após o primeiro turno das eleições municipais, em 6 de outubro, será marcada por uma ofensiva da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) para evitar que produtores rurais sejam afetados pelo decreto do governo que prevê multas e sanções por conta das queimadas em todo o Brasil. A nova regulamentação estabelece multas de R$ 10 mil por hectare ou fração para quem iniciar fogo em áreas de vegetação nativa. Em florestas cultivadas, a multa será de R$ 5 mil por hectare.
Em casos em que não haja a adoção de medidas de prevenção ou de combate aos incêndios florestais nas propriedades, que é previsto pelo Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo e órgãos competentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), os responsáveis pelo imóvel podem ter multas de R$ 5 mil a R$ 10 milhões aplicadas.
Houve um ajuste na penalidade para quem usa fogo em áreas agropastoris sem autorização de órgão competente. Atualmente, a queima de pasto não autorizado tem uma multa prevista de R$ 1 mil. Com o decreto, a penalidade foi ajustada para R$ 3 mil.
O texto editado por Lula prevê ainda o embargo ambiental a propriedades rurais que registrarem “queima não autorizada de mata nativa”. Com isso, as propriedades que registraram queimadas não autorizadas passarão a ficar de fora do crédito rural, já que estarão embargadas.
O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), no entanto, avalia que o decreto do governo federal “pune culpados e inocentes” pelas queimadas. “É fundamental que as sanções e embargos previstos sejam aplicados nos estritos limites da responsabilidade de quem comete esses deploráveis atos. Importante destacar que o produtor cuja propriedade é impactada por esses crimes é, também, uma vítima”, destacou Lupion.
Na avaliação do deputado, o decreto iguala os criminosos responsáveis por atear fogo nas propriedades dos produtores vítimas dos incêndios. “Produtores inocentes, vítimas dos incêndios, não podem ser duplamente afetados pelo efeito do fogo. O embargo de propriedades rurais possui impacto severo e imediato na vida do produtor rural”, disse o deputado.
“Na prática, [o embargo] impede o acesso ao crédito rural, impossibilitando o financiamento do plantio da sua safra e a manutenção da atividade agrícola, medida essa que não tem como ser compensada mesmo com a posterior comprovação de inocência por parte do produtor”, completa o presidente da FPA.
FPA quer aumento da pena para criminosos que causam incêndios
Em outra frente, integrantes da bancada do agro vão atuar nas próximas semanas para aprovar projetos que ampliem as punições para quem comete incêndios criminosos. Os deputados e senadores do grupo pretendem pautar em breve propostas que aumentem a pena para quem comete incêndios criminosos em áreas de florestas ou rurais para seis a 10 anos de prisão.
A atual legislação prevê prisão de dois a quatro anos a quem provocar incêndio em floresta ou em demais formas de vegetação. Segundo o presidente da FPA, o grupo já discute internamente ao menos três propostas neste sentido.
A expectativa é de que esses projetos ganhem celeridade e sejam levados diretamente ao plenário. “Os produtores rurais são os maiores prejudicados com as queimadas. Houve um prejuízo estimado em R$ 1 bilhão com a queima de lavouras de cana-de-açúcar em São Paulo, por exemplo”, defende Lupion.
Na mesma linha, a senadora Rosana Martinelli (PL-MT) reforçou que não se pode aceitar as acusações e críticas feitas pelo governo federal ao agronegócio brasileiro. Segundo ela, nenhum produtor rural destruiria o que constrói diariamente.
“Quero destacar que o pequeno, o médio e o grande produtor são todos considerados produtores rurais. E jamais um produtor rural colocaria fogo em sua propriedade, em sua casa. Não podemos culpar os produtores rurais. Não podemos concordar com essas falas”, declarou Martinelli.
Brasil registrou mais de 80 mil focos de incêndios em setembro
As propostas respondem ao aumento no número de queimadas no Brasil, que registrou 83,1 mil focos em setembro deste ano, um crescimento de 78% em relação ao mesmo período de 2023, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Integrante da FPA, o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) afirma que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se mostrou incompetente para atuar na crise. “A Marina Silva hoje significa Marina Cinzas. Ela é uma pessoa completamente incompetente que podia ter vergonha e ir embora. Ela mostrou que não tem autoridade moral para lidar com essa crise”, criticou o deputado.
A queimada nem sempre é ilegal, embora tenha sido proibida em diversos estados em 2024 por conta da seca. Autoridades de lugares como São Paulo — que registrou queimadas recordes em agosto — e do Pantanal suspeitam, no entanto, que nesses lugares os incêndios sejam criminosos.
Pelo menos 12 fazendeiros estão sendo investigados por focos de incêndio no Pantanal, segundo o Ministério Público do Mato Grosso do Sul. No Senado, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) apresentou um projeto que prevê classificar incêndios em áreas rurais como crime hediondo.
“Em virtude dos desastres ambientais e das perdas de vidas que os incêndios provocam todos os anos, é necessário tratar esse tipo de crime com maior rigor, aplicando penas mais severas e transformando-o em hediondo”, defende Jader.
Governo corre para tentar apresentar pacote ambiental ao Congresso
Depois de admitir publicamente que o governo não foi “100% eficaz” no combate aos incêndios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca agora apoio junto ao Congresso para aprovar um novo pacote ambiental. A expectativa de aliados do Palácio do Planalto é de que a crise das queimadas facilite o avanço das propostas.
O apelo de Lula para que o “pacote ambiental” seja aprovado foi feito aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ambos acompanharam o petista na comitiva presidencial para a 79ª Assembleia Geral da ONU na semana passada.
Além de apoiar as propostas sobre o aumento de pena para os incêndios criminosos, o governo prepara um pacote de medidas para tentar atualizar a legislação ambiental vigente. Essas propostas estão sendo desenhadas pelo Ministério do Meio Ambiente junto à Casa Civil no Palácio do Planalto.
De volta ao Brasil, Lula, que está no México, pretende discutir esses temas junto aos seus ministros antes da volta dos trabalhos no Congresso Nacional. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, Rodrigo Agostinho, o “Brasil e o resto do mundo precisam de uma estrutura de enfrentamento às mudanças climáticas”.
Ele considera a legislação brasileira insuficiente para esse desafio e apontou medidas que, segundo ele, precisam ser atualizadas. “O nosso Código Penal, de 1940, estabelece uma pena de dois a seis anos para os incêndios. Na época, o enfoque era a proteção à vida e ao patrimônio privado e não ao ambiente florestal. Em 98, nós tivemos a Lei dos Crimes Ambientais como crimes de menor potencial ofensivo, o que faz com que possam ser transacionados em troca de uma simples cesta básica”, disse durante audiência pública no Senado na semana passada.
Criação da Autoridade Climática vira o fiel da balança para o Congresso
Anunciada pelo presidente Lula após o aumento das queimadas, a criação da Autoridade Climática virou o fiel da balança para o apoio do governo junto ao Congresso. Parlamentares defendem que o indicado para o órgão seja de perfil técnico e não ideológico.
Como mostramos, o responsável por essa nova pasta terá que viabilizar junto ao Congresso a aprovação das medidas para garantir a implementação das políticas ambientais. A Lula, o presidente da Câmara, Arthur Lira, indicou que o escolhido precisa ser um nome de consenso junto à Câmara e ao Senado.
A ministra Marina Silva defende, por exemplo, que o novo órgão esteja subordinado ao seu ministério. A medida, no entanto, enfrenta resistência por parte dos deputados e senadores.
“[A autoridade climática] precisa ser uma ferramenta permanente e definitiva. Se ela for subordinada ela não é uma autoridade. Por isso, tem que ser acima da vontade de qualquer governo”, argumenta Alceu Moreira.
Na avaliação do integrante da bancada ruralista, o trabalho da autoridade climática precisa ser técnico e independente como o do Banco Central. “A liberação e aplicação dos recursos precisa ser através da construção científica e por isso [a autoridade climática] vai trabalhar com as universidades, com pesquisa e com que tenha as experiências mais importantes do mundo para criar um projeto de prevenção que tem que ser realizado gradativamente, independente de quem está no governo”, defendeu Moreira.
Segundo integrantes do governo, a discussão sobre o modelo e a estrutura do novo órgão segue em andamento pelo Ministério do Meio Ambiente junto à Casa Civil. A expectativa é de que uma definição só ocorra em meados de outubro, após o retorno de Lula ao Brasil da sua viagem ao México e da conclusão do primeiro turno das eleições municipais, que ocorre neste domingo (6).