O Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, poderá publicar uma resolução com orientações para o aborto legal a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
A decisão partiu do desembargador federal Ney Bello, que contrariou uma ordem da primeira instância que tornava a resolução sem efeitos. Inicialmente, o juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, do Distrito Federal, atendeu a um pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Ney Bello considerou legal a edição da medida pelo conselho. “O conteúdo material do pedido de suspensão ora aviado deixa claro o acerto da medida do Conanda”, disse o desembargador.
Ele também questionou a razoabilidade de manter uma gestação causada por um ato de violência sexual.
“De onde observar ser minimamente razoável – em defesa de vulneráveis crianças e adolescentes vítima de abuso e estupro – lutar pela manutenção da violência adrede gerada, sustentando – por vias formais – a manutenção de uma gestação causada por um gesto violento, repugnante e atroz de um adulto? Como, em pleno século XXI sustentar a razoabilidade da não interrupção da gravidez em casos tais?”
Do que trata a resolução
Aprovada em 23 de dezembro, a resolução apresenta orientações para o atendimento humanizado de crianças e adolescentes nos casos de aborto legal. No Conanda, a norma foi aprovada por 15 votos a 13.
A resolução também dispensa crianças e adolescentes vítimas de violência sexual da anuência dos pais para a prática do aborto legal. O texto estabelece que ações judiciais ou registros de boletim de ocorrência não são necessários para identificar o abusador nos casos de violência sexual ou quando a mãe for menor de 14 anos.
Disputa entre o governo e o Conanda
Apesar disso, o texto não traz orientações sobre os casos de adoção. A redação chegou a ser questionada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, que, no dia da aprovação, divulgou uma nota destacando que o documento oferecia definições que só podem ser tratadas em lei.
“Durante a discussão da proposta, o governo federal questionou insistentemente os termos da Resolução e o MDHC fez um pedido de vista”, contextualizou a pasta. “Em seguida, solicitou parecer da Consultoria Jurídica do Ministério. O parecer indicou, entre outros aspectos, que a minuta de Resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em leis.”
Na primeira instância, o juiz não chegou a analisar o mérito da resolução do órgão, mas negou os seus efeitos, por considerar que, “como não foi suspensa a reunião, a referida resolução foi aprovada — ilegalmente — pelo Conanda e se encontra em vias de publicação”.
O desembargador do TRF-1, por sua vez, salientou que, apesar do “descompasso interpretativo da sociedade” sobre a temática do aborto ser “salutar em toda democracia”, não é possível “submeter a racionalidade média a uma das antípodas ideológicas vislumbráveis no debate”.