Ministros mais antigos do Supremo Tribunal Federal (STF) passaram a discutir uma mudança no regimento da Corte para permitir que Flávio Dino e Cristiano Zanin, novatos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), possam votar em julgamentos em que seus antecessores já tenham votado (Rosa Weber e Ricardo Lewandowski).
Trata-se de uma reviravolta em relação a uma decisão de 2022, quando a maioria deliberou que os novatos naquela época, André Mendonça e Kassio Nunes Marques, indicados pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), não poderiam sobrepor os votos de seus antecessores (Marco Aurélio Mello e Celso de Mello).
Naquele momento, quem propôs o veto aos novatos foi Alexandre de Moraes, desafeto de Bolsonaro. Justificou que, segundo uma regra do Código de Processo Civil, na retomada de um julgamento, votos podem ser alterados até o momento final, quando o presidente do tribunal proclama o resultado, exceto aqueles votos já proferidos “por juiz afastado ou substituído”.
Na ocasião, oito ministros votaram a favor e apenas um contra – no caso, André Mendonça, diretamente afetado. Não participaram da decisão, à época, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que estavam ausentes. Kassio Nunes Marques votou a favor, mas disse que 25 processos seriam afetados.
Eram casos em que o julgamento havia se iniciado de forma virtual (em que os ministros votam de forma remota, no sistema processual, sem debates) e eram depois transferidos para uma sessão presencial, com discussão do caso ao vivo.
Até 2022, quando isso ocorria, o julgamento recomeçava do zero e todos os ministros que haviam votado poderiam votar novamente; os novatos então votavam no lugar dos antecessores, que haviam se aposentado. Foi isso que mudou em 2022. O que se discute, agora, é retomar a regra antiga. A mudança ainda não foi aprovada no regimento, mas isso pode ocorrer após o recesso do STF, a partir de fevereiro.
Ideia de nova mudança no regimento do STF partiu de Fux
Quem levantou a ideia, no fim do ano passado, foi o ministro Luiz Fux. Na sessão do STF de 24 de outubro de 2024 (veja vídeo ao final dessa reportagem), ele lançou a discussão no plenário quando elogiava a participação de Dino em julgamentos recentes – em vários dos casos atuais, ele tem se manifestado, dando opiniões que influenciam a decisão final, mas sem poder votar, uma vez que sua antecessora, Rosa Weber, já havia votado.
“As contribuições são magníficas. O ministro Flávio Dino tem experiência como governador, como político, e etc. E nós temos uma regra, que, no meu modo de ver, já perdeu um pouco o sentido. Que é a regra de que os novos não podem votar. O tribunal mudou muitíssimo a sua composição”, disse Fux.
Ele relatou que já havia discutido a questão com Moraes, que havia proposto e conseguido vetar os novatos em 2022. “Eu entendo que nós deveríamos repensar o regimento no sentido de permitir os novos também que votem em questões que ainda não acabaram”, afirmou Fux.
Moraes, então, concordou, explicitando a mudança de posição em relação a 2022. Disse que, em muitos casos em que os novatos não votam, a parte que perdeu entra com recurso e, no novo julgamento, consegue mudar a decisão, uma vez que é realizado um novo julgamento, dessa vez com a participação dos novatos.
Em sua declaração, ele indicou que a nova mudança permitiria que não apenas Dino e Zanin passem a votar, mas também Nunes Marques e Mendonça. Os indicados de Bolsonaro, de qualquer modo, não poderiam mais votar em vários julgamentos, com votos de seus antecessores, e já encerrados, em que não participaram por causa da regra de 2022.
“Fui eu que sugeri a questão de ordem, à época. E agora, conversando com o ministro Fux, nós acabamos verificando que em diversos casos, em que estávamos completando o julgamento de mérito, seja RE [Recurso Extraordinário], seja ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade], contabilizando os votos já proferidos, mas como houve alteração significativa, quatro vagas em poucos anos, daí se entra com embargos de declaração [tipo de recurso]. E ao entrar com embargos, na verdade, nós estamos produzindo um novo julgamento de mérito. Porque aí os quatro podem participar. Nós tivemos vários casos importantes assim, que se todos pudessem ter votado no mérito, nós não precisaríamos ter alterado o julgamento nos embargos”, disse.
Justificou que em mudanças assim, “para o jurisdicionado, fica algo estranho”. “O mérito está terminando, os novos ministros não podem participar. Na hora que vêm os embargos, podem. E os embargos acabam tendo efeitos infringentes [que modificam a decisão anterior]. Então, acho que nós temos que pelo menos pensar sobre isso para evitar… Porque foram vários julgamentos importantes, em que proclamamos o resultado, em julgamento que já havia pedido de vista, pela importância. E aí depois de três meses, por embargos, o resultado se inverteu. Isso eu acho que para o tribunal não fica bem, realmente”, completou Moraes.
Depois, assim como Fux, Moraes destacou a atuação de Dino em julgamentos recentes. “É que no caso do ministro Flávio Dino, acaba sendo um ministro com voz, mas sem voto. Porque ele participa mesmo quando não pode votar. Então, ele vai, vai, vai, daí ele fala ‘eu não estou votando, eu não estou votando’…”, disse Moraes. “Mania de honrar meu salário…”, respondeu Dino, se elogiando.
Fux, então, tentou elogiar os outros ministros mais novos. “Só para não cometer uma indelicadeza. Eu dei um exemplo, o ministro Flávio Dino foi governador. Mas todos os novos ministros têm grandes elementos a acrescentar…”
Toffoli também concordou com a participação dos novatos em substituição aos aposentados. “Quem vota é a cadeira, não são as pessoas. Ontem, no lançamento do livro pela passagem dos meus 15 anos na Corte, eu disse ‘as pessoas passam, as instituições ficam’. Nós passamos, a cadeira fica. Quem vota é a cadeira”, disse.
Concordou com Moraes que, no julgamento dos recursos, o resultado muda. “Para a sociedade fica estranho, que nós tomamos uma decisão neste mês, e dois meses depois, em embargos nós a mudamos, por conta da mudança que é o titular da cadeira. Quem vota é a cadeira, ponto. Então, eu sou a favor de realmente nós revermos essa questão.
Luís Roberto Barroso, que atualmente preside o STF, sinalizou concordância, embora tenha demonstrado incômodo com uma nova reviravolta.
“Quando o ministro Fux me procurou com esse assunto, eu disse ‘procure o pai da criança’. Mas eu também acho que podemos… sobretudo nas hipóteses em que irreversivelmente se sabe que vai haver modificação em embargos de declaração, acaba sendo um contrassenso e um desperdício de tempo. Eu só não gosto dessas idas e vindas em mudanças regimentais. Até porque eu mudei o do Conselho Nacional de Justiça em função da orientação firmada pelo Supremo. Agora a gente volta atrás… Mas não estamos batendo o martelo, mas acho que vale a rediscussão do tema”, disse.
Edson Fachin, que em 2022 votou pelo veto aos novatos, sinalizou resistência com uma nova mudança no regimento. “Talvez se aplica o artigo 10 do Código Fux [Código de Processo Civil] de vedação do princípio da surpresa. Acho que devemos amadurecer essa questão, e creio que Sua Excelência só suscitou isso à guisa de diálogos futuros sobre o tema”, disse.
Fachin integra a comissão do STF responsável por mudanças no regimento. Além dele, integram o colegiado Fux e Moraes.
Ministros discutem mudança no regimento
O vídeo mostra o momento em que os ministros discutiram a mudança no regimento, na sessão de 24 de outubro de 2024.