Deputados de oposição e analistas veem em uma ação judicial protocolada nos Estados Unidos pelas redes sociais Rumble e Truth Social contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, uma possibilidade de desdobramentos maiores e até responsabilização do ministro por perseguições e censura impostas a brasileiros.
A ação corre em um tribunal na Flórida e é movida pela plataforma de vídeos Rumble e pela Trump Media & Technology Corp, que controla a rede social Truth Social, do presidente americano Donald Trump. Ela questiona ordens do ministro para censurar o influenciador digital Alan dos Santos, que teriam potencial para afetar a soberania americana, onde vigoram leis que oferecem maior proteção à liberdade de expressão.
Em retaliação, Moraes deu na quinta-feira (20) um prazo de 24 horas para o Rumble apontar um representante legal no Brasil. No ano passado, essa foi uma das primeiras medidas que ele adotou antes de suspender a rede social X.
O deputado Gustavo Gayer (PL-GO), vê com otimismo as ações de Donald Trump no governo. Para ele, as missões de parlamentares de oposição brasileiros aos EUA para apresentar denúncias sobre perseguições e censura já têm surtido efeitos práticos. “Nós acendemos algumas velas para tentar clarear a escuridão que tem assolado nosso país. Agora podemos estar diante de um verdadeiro farol de esperança”.
Para o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), as ações do ministro Alexandre de Moraes não passarão impunes. “Muitas de suas decisões que censuraram a direita terão desdobramentos fora do Brasil e em países onde o ativismo político não predomina no judiciário, como é o caso dos Estados Unidos”, disse o deputado.
O argumento da Rumble e da Truth Social ao processar o ministro Alexandre de Moraes se baseia na suposta censura contra pessoas sob jurisdição americana, como os jornalistas Allan dos Santos e Paulo Figueiredo. De acordo com o Rumble, a plataforma foi obrigada por Moraes a impedir que seus alvos criassem novos perfis em redes sociais, o que equivaleria a submeter o sistema jurídico americano às determinações de um juiz estrangeiro, indo contra direitos fundamentais previstos na Constituição dos EUA.
“Permitir que o juiz Moraes amordace um usuário vocal em um canal digital americano colocaria em risco o compromisso fundamental do nosso país com o debate aberto e robusto”, diz o processo movido pelas empresas. “Nem ditames extraterritoriais nem alcance judicial do exterior podem anular as liberdades protegidas pela Constituição e pela lei dos EUA”, continua o documento.
Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pela Gazeta do Povo, a ação tem chances de ter impacto político no Brasil pois partem de organizações importantes. O cientista político e professor de relações internacionais do Ibmec-BH, Adriano Cerqueira observa que a partir da posse de Trump qualquer ação que o ministro do STF, Alexandre de Moraes tenha contra empresas como o X e o Truth Social passam a ter relação com o governo dos Estados Unidos, já que seus principais acionistas, Trump e Elon Musk, fazem parte dele.
Contudo, não está claro se mesmo uma vitória judicial em um tribunal americano geraria alguma contenção das ações de Moraes na prática ou se criaria apenas pressão política. Isso porque trata-se de uma ação de direito internacional privado, onde Moraes é tratado como pessoa física e não como representante de uma instituição brasileira. A Justiça brasileira pode argumentar que ele agiu como uma instituição, o que dificultaria qualquer aplicação de pena em território brasileiro.
Sanções a Moraes podem gerar confisco de bens e declaração de persona non grata
Desde que o presidente americano Donald Trump assumiu o cargo neste ano, a oposição passou a acreditar que ele aplicaria sanções a Moraes ou ao STF na esfera diplomática, ou seja, ações dos Estados Unidos contra indivíduos no Brasil ou retaliações comerciais americanas ao país como um todo.
Até agora a pressão do governo Trump, aliado político do ex-presidente Jair Bolsonaro, contra o governo e o Judiciário no Brasil estão ocorrendo apenas por meios informais e indiretos. Um exemplo foi a recente crítica do bilionário Elon Musk, membro do governo Trump, que afirmou, sem apresentar provas, que a vitória do presidente Lula na última eleição teria sido financiada pelo “estado profundo” dos Estados Unidos.
Como Trump vem tomando medidas pouco ortodoxas, baseadas em ordens presidenciais e decisões de política externa que favorecem seus aliados políticos, membros da oposição brasileira acreditam que a pressão informal pode evoluir para sanções ou taxações.
A legislação americana prevê uma série de instrumentos que permitem aplicar sanções contra indivíduos que compõem a administração pública de países com os quais os Estados Unidos têm relações diplomáticas.
Dentre as possíveis sanções, o cientista político Elton Gomes cita o confisco de bens, a declaração de persona non grata e a proibição de entrada no país. “Caso seja declarado persona non grata, por exemplo, o ministro também terá cancelados os privilégios diplomáticos previstos na Convenção de Viena”, cita o cientista político.
A Convenção de Viena, prevê, por exemplo, que agentes políticos e diplomáticos tenham inviolabilidade pessoal e domiciliar. Isto significa que ao ser declarado persona non grata, o ministro perde o privilégio de não poder ser preso ou ter a residência ou local de missão violada em outros países.
Dentre tais medidas, as que podem ser mais efetivas contra autoridades de países em conflito com os Estados Unidos são confisco de eventuais bens e aplicações financeiras que possuam nos Estados Unidos ou no sistema financeiro ocidental.
Momento político no Brasil e nos EUA influencia ação contra Moraes
A baixa popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a apresentação da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro formam o cenário político em que se insere a atual disputa entre Moraes e o Rumble.
Para o cientista político Elton Gomes, há chance de o governo e o STF dobrarem a aposta e retirar redes sociais do ar no Brasil. “Eles podem adotar medidas para retalhar ainda mais as redes sociais, tirando do ar ou colocando restrições, já que o Congresso não aprovou uma regulamentação. A Suprema Corte pode usurpar competências do parlamento, como já tem feito reiteradas vezes, baixando uma determinação jurídica para algo que deveria ser aprovado pelo Congresso”, explica Gomes.
O primeiro indício de que esse será o caminho adotado foi a decisão do ministro Moraes de dar um prazo para o Rumble apontar um representante legal no Brasil.
Além disso, a posse de Donald Trump marcou o movimento das empresas chamadas de big techs dos EUA para o lado do presidente. Anteriormente alinhadas mais à esquerda, agora as empresas buscam proteger seus interesses se aliando a Trump.
O motivo da guinada, de acordo com o cientista político Elton Gomes, tem a ver com o fato de a esquerda mundial tentar avançar com agendas de controle estatal da mídia. “Embora essas empresas não sejam conservadoras, elas selaram aliança com Trump para garantir que as suas operações sejam preservadas”, destaca Gomes.
Contudo, Trump já deu sinais de que a liberdade de expressão pode não ser total em seu governo, mas direcionada. Ele cortou o acesso a seu gabinete e avião presidencial de jornalistas de uma das maiores agências de notícias do planeta, a Associated Press. Isso porque o órgão decidiu não adotar em sua cobertura mundial o novo nome dado por Trump ao Golfo do México. O americano quer que o local seja chamado de Golfo da América.
Outra possibilidade de retaliação americana ao Supremo no Brasil é a adoção de mais tarifas comerciais, como as já impostas ao aço e ao etanol por alegadas razões econômicas. Mas o analista Elton Gomes diz que a oposição brasileira parece superestimar a capacidade de interferência de Washington no Brasil. “Não interessa aos Estados Unidos desmantelar o seu comércio completamente com o Brasil. Eles não querem perder o Brasil como aliado estratégico da região, permitindo, por exemplo, a presença militar russoa e chinesa aqui”, lembrou o cientista político.