Pelo menos 100 servidores ativos da União têm renda mensal acima do teto remuneratório constitucional. A grande maioria é de médicos e peritos que contam com dois empregos, principalmente no Ministério da Previdência e nas universidades federais. Três ministros do governo Lula acumulam salário com aposentadoria em outros órgãos públicos. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, recebe salário de ministro de Estado e aposentadoria do Supremo Tribunal Federal (STF), num total R$ 88 mil – dois tetos remuneratórios – sem sofrer abate-teto. Tudo dentro da lei e da Constituição Federal.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, recebe salário de ministro de Estado, no valor de R$ 44 mil; aposentadoria integral do Tribunal de Contas da União (TCU), no valor de R$ 43,5 mil, onde trabalhou por 11 anos; e R$ 21,5 mil como deputado federal aposentado. Com um abate-teto de R$ 14,3 mil na Câmara, tem renda total de R$ 94 mil.
O general de exército Marcos Amaro dos Santos, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), recebe salário de ministro de Estado, no valor de R$ 44 mil; mais R$ 36,5 mil como general da reserva – num total de R$ 80 mil.
Os ministros com abate-teto
Alguns ministros de Lula sofrem o abate teto porque não se enquadram nos critérios definidos pelo STF para obtenção desse privilégio. O ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Messias, procurador da Fazenda, recebeu R$ 77,8 mil bruto em setembro (último mês disponível no Portal da Transparência), mas sofreu o abate-teto de R$ 44 mil, restando R$ 29,6 mil líquidos.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade de Lima, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, teve renda bruta de R$ 66,6 mil, mas sofreu corte de R$ 22,6 mil, restando uma renda líquida de R$ 44 mil – justamente o teto remuneratório constitucional. O ministro de Estado e ministro de primeira classe do Ministério das Relações Exteriores, Mauro Vieira, recebeu renda total de R$ 54,8 mil. Com o abate-teto de R$ 10,8 mil, teve renda líquida de R$ 44 mil – o teto.
O que diz a Constituição
O Ministério da Justiça afirmou ao blog que a permissão constitucional para o acúmulo de remunerações está prevista no parágrafo 10 do artigo 37 da Constituição Federal, que dispõe sobre a acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração no serviço público. “Cargos em comissão, como é o caso de ministros de Estado, são permitidos para acumulação com proventos de aposentadoria, sem que isso seja considerado ilegal”, diz nota do Ministério da Justiça.
O Ministério da Defesa disse que a remuneração referente ao cargo de Ministro da Defesa e os proventos de aposentadoria de José Mucio Monteiro “estão sujeitos e em conformidade com as regras constitucionais (artigo 37 da Constituição Federal de 1988) e com o entendimento consolidado pelo STF, segundo o qual, em casos de acumulação de proventos de aposentadoria com remuneração em cargo público, o teto constitucional deve ser aplicado de forma individualizada para cada vínculo funcional, sem considerar o somatório dos valores.
O Ministério da Gestão e Inovação (MGI) relatou ao blog as decisões do STF e normas relacionadas sobre as hipóteses em que o cálculo do teto constitucional deverá ser feito de maneira individualizada, e não sobre a soma das remunerações, aposentadoria e pensões de servidores, empregados públicos e detentores de mandato eletivo, conforme estabelece o artigo 37 da Constituição de 1988.
O MGI acrescentou que a Portaria 4.975, editada pelo Ministério da Economia em 29 de abril de 2021, dispõe sobre os procedimentos para a aplicação do limite remuneratório de que tratam o inciso XI e o parágrafo 10 do art. 37 da Constituição. De acordo com esse ato normativo, são três as hipóteses em que o cálculo do teto constitucional deverá ser feito de maneira individualizada: acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo em comissão ou cargo eletivo; e acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo ou emprego público admitido constitucionalmente; ou no caso da acumulação de cargos de membros de poder e de aposentados e inativos, servidores públicos e militares, que tenham ingressado novamente no serviço público por meio de concurso público.
Portaria de Bolsonaro agradou militares
A Portaria 4.975, editada no segundo ano do governo Bolsonaro, agradou os generais da reserva que ocupavam cargos de primeiro escalão no governo, muitos deles no Palácio do Planalto. O blog apurou, após a edição da portaria, que pelo menos 36 oficiais generais tinham renda acima do teto – alguns beirando os R$ 70 mil.
Entre eles estava o ministro da Defesa, general Braga Neto, que recebia R$ 32,7 mil como general de exército da reserva, mais salário de ministro de Estado, totalizando R$ 63,7 mil; o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, recebia o mesmo salário do presidente, R$ 31 mil, mais R$ 34,3 mil como general de exército da reserva, somando R$ 65,2 mil. O ministro de Segurança Institucional, Augusto Heleno, tinha renda de R$ 33,8 mil como marechal da reserva, mais o salário de ministro, chegando a R$ 64,7 mil. Os valores não foram atualizados pela inflação.
Os servidores sem teto
A servidora Gláucia de Souza recebeu R$ 58,6 mil em setembro, sem abate-teto. Ela é perita médica ativa no Ministério da Previdência Social e médica ativa na Universidade Federal de Uberlândia (MG). Gilberto Melnick recebeu R$ 57,3 mil, sem abate-teto. Ele é perito médico no Ministério da Previdência e médico na Universidade Federal do Paraná. Marco Antônio Oliveira recebeu R$ 56,5 mil, sem abate-teto. Ele é perito médico da Ministério da Previdência e médico no Instituto Federal de Sergipe. Com renda total de R$ 55,6 mil, Valter Lopes é perito médico no Ministério da Previdência Social e médico no Instituto Federal de Sergipe.
Questionado sobre a legalidade dessas elevadas rendas acima do teto constitucional, o Ministério da Gestão e Inovação afirmou ao blog que a acumulação de cargos e funções públicas e o cálculo do teto constitucional foi julgada pelo STF em 2001. A Corte definiu que seja afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções e no caso de servidores já ocupantes de dois cargos públicos antes da vigência da Emenda Constitucional 41/2003. É afastada, ainda, a observância do teto nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, desde que haja compatibilidade de horário, nas seguintes hipóteses: dois cargos de professor; um cargo de professor com outro técnico ou científico; e dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.