A elevação da nota de crédito do Brasil pela agência global de risco Moody’s pegou economistas e mercado financeiro de surpresa. A mudança foi vista como “precipitada”, “marginal” e “inconsistente” por analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Com a elevação do rating soberano de “Ba2” para “Ba1”, a classificação da agência mantém o rótulo de “grau especulativo” para o país, mas apenas um nível abaixo do “grau de investimento”, espécie de “selo” bom pagador que facilita a atração de investimentos.
Grandes fundos mundiais são impedidos de investir em países sem grau de investimento. E os mercados detentores da marca têm maior prazo de vencimento para os seus títulos e menores taxas de juros.
A justificativa da Moody’s para a alteração é o crescimento da economia acima das expectativas de mercado, em especial ao longo deste ano.
O ponto médio das expectativas de bancos e consultorias para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) é de 3%, segundo o último Boletim Focus, ante mediana de 1,5% no início do ano. A projeção da agência é um pouco mais modesta, de 2,5%.
Parte desse crescimento, diz a Moody’s, é fruto de ajustes estruturais importantes que vêm acontecendo desde 2017, com as reformas trabalhista, da Previdência e também a tributária, deste ano.
Mas a agência manteve a perspectiva “positiva” para a nota de crédito, traduzindo a expectativa de um desempenho sólido no médio prazo em relação aos anos anteriores à pandemia.
“A possibilidade é de que o crescimento e a conformidade com o arcabouço fiscal ajudem a aumentar a credibilidade institucional e a reduzir os custos dos empréstimos mais acentuadamente”, disse a agência em comunicado assinado pelos analistas Samar Maziad e Mauro Leos.
Para Sílvio Campos Neto, da consultoria Tendências, a decisão é, no mínimo, “precipitada”, considerando a dinâmica das contas públicas.
Parte do desempenho da economia, destaca o economista, vem sendo obtido às custas de estímulos governamentais, entre eles o maior acesso ao crédito, os benefícios sociais – como Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – e o reajuste do salário mínimo acima da inflação, que estimulou o consumo, numa trajetória vista como “insustentável”.
“Ela [a Moody’s] não deve ter considerado que isso [os estímulos] impacta ainda mais o fiscal. Embora o desempenho do PIB possa servir como argumento, o crescimento das despesas obrigatórias não está nem um pouco equacionado”, diz o economista.
“Basta olhar questões como a dos mínimos constitucionais de saúde e educação [percentuais mínimos da receita que o governo deve destinar a esses setores]. O cenário exigiria um pouco mais de cautela para analisar o que tem de estrutural ou de artificial neste crescimento”, acrescenta.
Moody’s minimizou alta da dívida pública
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, que também faz classificação de riscos para empresas, governos e instituições, ressalta que os métodos de classificação das agências se baseiam em metodologias distintas e exclusivas.
Mas o principal indicador é sempre a relação dívida/PIB. Desde janeiro do ano passado, essa relação subiu quase 7 pontos percentuais e está em 78,5% do PIB. A previsão do Banco Central é que atinja 83,9% em dezembro de 2026 e 89% em dezembro de 2030.
“Num cenário de aperto monetário pelo Banco Central [que começou um novo ciclo de aumento de juros], o indicador no país se torna ainda mais preocupante”, destaca Agostini.
A Moody’s considerou a dívida, mas aposta numa estabilização com o controle de gastos do governo. “Na ausência de grandes choques, o cumprimento do arcabouço fiscal levará a dívida pública do Brasil a se estabilizar, no médio prazo, em torno de 82% do PIB”, diz relatório da agência.
Para o economista da Austin Ratings, a decisão é “inconsistente” e “não faz nenhum sentido” num momento de tantas incertezas e resistência do governo a um maior esforço fiscal.
“Vale lembrar que recentemente o governo tem discutido algumas mudanças ou ‘ajustes’ de cálculos utilizando mecanismos parafiscais para tirar despesas – como os recursos do programa Pé de Meia e do Auxílio Gás – da meta prevista no arcabouço fiscal”, afirma. “Isto vai corroendo a credibilidade da regra fiscal, que já foi alterada.”
O arcabouço fiscal previa superávit primário de 0,5% do PIB para 2025, mas o objetivo foi reduzido para “déficit zero”, igual à meta deste ano. Em ambos os casos, com tolerância de 0,25% do PIB – o que, neste ano, autoriza déficit de R$ 28,8 bilhões, que vem sendo mantido por meio de bloqueios e contingenciamentos do orçamento federal.
A Moody’s, no entanto, diz esperar que o resultado primário melhore gradualmente, em linha com as metas do governo, nos próximos dois a três anos, considerando o ambiente de crescimento “e os esforços do governo para aumentar as receitas e medidas incipientes para cortar gastos”.
Agostini destaca que a agência não considerou as dificuldades políticas da estratégia do governo de fazer o ajuste essencialmente pelo lado da receita, com o aumento da arrecadação. “A arrecadação veio robusta este ano, mas tem um teto”, lembra. “Você tem um Congresso que não está mais disposto a aumentar impostos e arcar com o ônus do ajuste.”
Momento da mudança afeta credibilidade da agência
A mudança da nota de crédito ocorreu uma semana após a reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com representantes das agências de rating, durante sua estadia em Nova York. Além da Moody’s, os dois conversaram com integrantes da Standard and Poor’s (S&P) e da Fitch Ratings.
“Chamei as agências pelo seguinte, que é importante que vocês saibam da boca do presidente da República o que está acontecendo naquele país, não precisa ouvir só a ‘Faria Lima’ [jargão do presidente para o mercado financeiro], não precisa ouvir só os empresários, ouça os trabalhadores e o presidente da República”, disse Lula a jornalistas.
O timing da decisão da Moody’s foi considerado inapropriado. “A impressão que fica é que a agência cedeu aos argumentos do governo brasileiro, sem considerar os fundamentos, o que é péssimo em termos de credibilidade da instituição”, diz Agostini.
Felipe Miranda, economista-chefe da Empiricus, considera o efeito da nova classificação positivo, mas “marginal”, já que a credibilidade das agências de rating hoje “é muito baixa”. A possibilidade de reavaliação dos demais agentes econômicos sobre o risco do país a partir da alteração, para ele, é pequena.
“Desde 2008, elas [as agências] vêm com a credibilidade muito machucada e perdendo a reputação no tempo”, diz. “Eles são muito mais uma peça atrasada do que propriamente uma coisa que é um indicador antecedente de algo.”
Grau de investimento ainda é incerto
O Brasil ganhou o grau de investimento pela primeira vez em abril de 2008, conferido pela S&P, durante o segundo mandato de Lula. O cenário era de crescimento econômico, com ajuda do ciclo das commodities, geração de superávits primários e manutenção do tripé macroecônomico estabelecido no governo de Fenando Henrique Cardoso (PSDB). A decisão foi seguida pelas outras duas grandes agências: Fitch, no mês seguinte, e Moody’s, em setembro de 2009.
A S&P retirou o grau de investimento do Brasil em 2015, no segundo governo Dilma Rousseff (PT), em meio ao contexto de deterioração fiscal e recessão econômica. A Fitch cortou o grau de investimento no mesmo ano e fez novo rebaixamento em 2018. A Moody’s retirou o carimbo de bom pagador do Brasil em 2016.
A partir do fim do ano passado, as agências melhoraram as perspectivas das notas. Em maio deste ano, a Moody’s já havia alterado a orientação brasileira de “estável” para “positiva”.
“O que essas agências têm feito nos últimos meses, de maneira geral, é reconhecer o tanto que o Brasil caminhou depois de 2016, com as reformas”, diz Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV.
Ele afirma que dificilmente a nova classificação culminará numa recuperação mais rápida do grau de investimento do país. “Olhando para frente, você não tem nenhum sinal de estabilização de dívida.”
Sílvio Campos Neto ressalta que as outras duas agências contratadas para avaliação de risco pelo país – a Fitch e a S&P – mantêm a nota brasileira dois níveis abaixo do grau de investimento.
“Não acredito que elas aumentem o rating, pelo menos até ter uma maior confiança não só na sustentabilidade do crescimento econômico, mas também olhando nas decisões do governo sobre corte de gastos.”
O governo tem acenado com uma revisão de gastos baseada em combate a fraudes e irregularidades, mas não admite falar em reforma administrativa ou corte efetivo de despesas, nem mexer na vinculação dos mínimos constitucionais de saúde e educação e na política de valorização do salário mínimo acima da inflação, que afeta diretamente o déficit da Previdência.
“Não há nenhuma perspectiva de que um ajuste fiscal possa acontecer antes de 2026, ano de eleições presidenciais”, resume Campos Neto. “O grau de investimento ainda é incerto.”
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), disse acreditar que o grau de investimento “é superdistante”: “Acho que a Moody’s vai rebaixar o Brasil daqui a uns dois ou três anos. Devem reverter a decisão que eles tomaram. É a minha impressão”.