Parlamentares conservadores brasileiros depositam todas as suas fichas na volta da direita ao poder nos Estados Unidos, personificada pelo presidente eleito Donald Trump, como fator de mudança de cenário internacional e de pressão externa sobre autoridades para coibir a reiterada perseguição política a líderes da direita.
Com o Judiciário aparelhado politicamente e cada vez mais alinhado com o Executivo, além da atuação do Legislativo condicionada a interesses fisiológicos, o Brasil sofre abusos de poder que a oposição não se cansa de denunciar, mas não consegue resolver, o que resulta em um impasse institucional aparentemente insolúvel.
Após a apertada vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), parte da população acreditou que o Exército, com base no artigo 142 da Constituição, atuaria como um “poder moderador” para retomar a ordem e salvar o Brasil. Mas tanto o Exército como o governo concluíram que isso seria inconstitucional.
Já no ano passado, a oposição passou a apostar nas prerrogativas constitucionais do Senado e pressão popular para tentar conter o ativismo judicial. O povo foi às ruas e parlamentares fizeram projetos para limitar os poderes do STF e derrubar ministros, mas as ações foram barradas pelas presidências do Senado e da Câmara.
Após todas essas frustrações, as atenções da oposição e de boa parte da população agora se voltam ao exterior.
A oposição também espera o apoio do bilionário Elon Musk, que teve sua rede social X tirada do ar no Brasil por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. A era Trump começa com Musk como um dos mais poderosos do novo governo americano. Isso acende esperanças no Brasil sobre uma normalização dos poderes do Judiciário e um novo vigor na luta pela liberdade de expressão.
Parlamentares festejam as primeiras mudanças políticas com vitória de Trump
No Senado, as impressões se repetiram. O senador Marcos Rogério (PL-RO) comemorou a vitória de Trump nas urnas, avaliando que o retorno do republicano reforça o avanço da direita no cenário global. Para Dr. Hiran (PP-RR), Trump ganhou em razão da piora econômica, sobretudo com a inflação, no governo do democrata Joe Biden.
Essa empolgação ocorre por causa do chamado “efeito Trump”. No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau iniciou um processo de renúncia após o presidente eleito americano ameaçar taxar as exportações canadenses em 25% se o país não melhorasse a segurança na fronteira. Trudeau não reagiu rápido e seu governo caiu.
Na Alemanha, o fator Trump teve alguma participação na queda do chanceler Olaf Scholz no ano passado, segundo analistas. Ele tentou elevar o teto de gastos do país para investir na área militar no fim de 2024 (quase três anos depois do chefe das Forças Armadas afirmar que o país tinha vergonha do estado de suas forças militares e a sua incapacidade de enfrentar a Rússia).
Mas a tentativa de injetar dinheiro aconteceu muito tarde: a derrota de Joe Biden, do Partido Democrata dos Estados Unidos, acabou com a garantia de que a Alemanha teria mais tempo de aumentar seus gastos aos poucos, ainda sob a proteção dos Estados Unidos. Trump ameaça tirar os Estados Unidos da Otan (aliança militar ocidental) se os europeus não ajudarem a pagar a conta.
Em comício no domingo (19) Trump também atribuiu a si mesmo a implementação de um cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas e disse que o mundo não veria 100 primeiros dias de governo tão intensos como serão os dele.
A esperança brasileira é que Trump dê atenção para os assuntos do Brasil. Segundo uma reportagem do jornal americano Wall Street Journal da semana passada, assessores próximos de Trump disseram que ele está aberto para usar a elevação de tarifas comerciais para pressionar o Brasil e outros países que ele entenda que estejam usando estratégias esquerdistas de instrumentalizar a Justiça para atacar opositores.
Mas os ministros so STF por ora tentam não parecer intimidados. O principal exemplo foi a negação do pedido do ex-presidente Jair Bolsonaro de reaver seu passaporte para participar da posse de Trump na tarde desta segunda-feira (20).
Para Daniel Afonso Silva, pesquisador de política externa da USP, a volta de Trump ao poder não deve ser vista como um fator determinante e imediato para beneficiar a direita brasileira, porque os EUA já têm outras prioridades globais, como as guerras no Leste Europeu e Oriente Médio.
“Com questões acerca de China e Europa, o Brasil está bem longe de ser assunto urgente [para o novo presidente dos EUA]”, avalia o professor. Ainda assim, ele vê o convite de Bolsonaro para a posse de Trump como um constrangimento para o establishment brasileiro.
Mas há um outro fator em jogo: a imagem internacional de Trump. Mesmo que ele tenha preocupações mais imediatas, como a deportação de imigrantes nos Estados Unidos e a rivalidade com a China, ele não pode mandar um recado internacional de que não se importa com seus aliados da direita – e Bolsonaro é o que está em pior situação. Por isso, há uma possibilidade real que interceda em favor de Bolsonaro.
Eduardo Bolsonaro afirmou no fim de semana que pode ocorrer um impacto concreto inicial. Ele vê a possibilidade de sanções individuais contra ministros do Supremo, como por exemplo, o cancelamento do visto de entrada nos Estados Unidos para o ministro Alexandre de Moraes.
Seu pai, Jair Bolsonaro, que é muito próximo a Trump, vai além e diz que o novo presidente americano pode agir diretamente para reverter sua inelegibilidade. Mas ele não deu detalhes de como isso pode acontecer.
Para analista, movimentos de bastidores podem provocar melhores resultados
Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec de Belo Horizonte, entende a empolgação dos parlamentares brasileiros com Trump como uma esperança após uma avaliação realista do contexto atual, de esgotamento de possibilidades concretas de reação no plano doméstico.
“Todos os recursos jurídicos e políticos foram usados e nada mais pode ser feito para mudar o cenário nos curto e médio prazos”, diz. Assim, ao mirar a ajuda de outros países e de cortes internacionais, a oposição ao governo de Lula faz, segundo o analista, uma aposta consciente em forças de fora.
Gianturco também não acredita que, apesar da proximidade política de Trump e Bolsonaro, e do interesse pessoal com a situação brasileira de figuras próximas do presidente republicano, como Elon Musk, o país ainda não está entre as prioridades internacionais do novo governo americano.
O professor acrescenta que mesmo sem resultados práticos após ações políticas, como eventual retirada de vistos de entrada nos EUA para ministros do STF, a oposição pode encontrar soluções de bastidores. Uma delas pode ser contar com o apoio americano no campo da inteligência, para trazer a público eventuais decisões e ações do governo brasileiro que podem gerar insatisfação geral da população contra figuras do governo Lula e do Supremo que tornem suas posições insustentáveis politicamente.
Governo e STF reagem a mudanças nas redes sociais influenciadas por Trump
Os dias que antecedem a posse de Trump aceleraram profundas mudanças políticas em curso no mundo. Nesse período já se efetivaram reversões nas políticas de controle de conteúdo em plataformas digitais, a emergência e a queda de líderes nacionais e o surgimento de novos tensões na geopolítica.
O anúncio feito pela Meta – dona de Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp – de que encerrará serviços de checagem de fatos nas suas redes dos Estados Unidos produziu rápida e ostensiva reação do governo Lula e de ministros do STF, que cobram esclarecimentos sobre novos rumos da empresa.
O ministro Jorge Messias, da Advocacia-Geral da União (AGU), notificou extrajudicialmente a Meta para explicar as mudanças na política de moderação das redes sociais Facebook, Instagram e Threads. A big tech enviou as informações à AGU, e o órgão brasileiro afirmou que as mudanças “causam grave preocupação”.
“Alguns aspectos constantes no documento da Meta causam grave preocupação na AGU e em órgãos do governo federal. Especialmente a confirmação da alteração e adoção, no Brasil, da Política de Conduta de Ódio que, à toda evidência, pode representar terreno fértil para violação da legislação e de preceitos constitucionais que protegem direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros”, disse a AGU em nota.
Matéria da Gazeta do Povo mostrou que a Advocacia-Geral da União não tem competência para adotar medidas judiciais contra a Meta. De acordo com os juristas ouvidos pela reportagem, a big tech não era sequer obrigada a responder aos questionamentos feitos pelo órgão, mas enviou seu posicionamento na segunda-feira (13). Não está claro, porém, se a Meta vai manter ou não as parcerias com o Tribunal Superior Eleitoral. O órgão pressionou a Meta a firmar acordos para diminuir o impacto de manifestações contrárias do Judiciário em suas redes sociais.