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    Proteção dos direitos de crianças e adolescentes no ambiente digital: prioridade absoluta

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    Em um quarto, em pleno sábado ensolarado, um adolescente passa horas trancado, jogando online e se comunicando com outros da mesma faixa etária, conhecidos e desconhecidos. Na escola, no intervalo das aulas, meninas e meninos, cada um em seu telefone, fazem vídeos, aplicam filtros em fotografias para esconder as espinhas, passam o tempo vendo stories dos chamados influencers. No almoço de domingo, os adultos posicionam os celulares em frente aos bebês, para distraí-los com desenhos fofinhos e coloridos. Em uma viagem durante um feriado, passeios em praias, cachoeiras e trilhas são rejeitados. A preferência é por um celular na mão e um fone nos ouvidos.

    Essas são cenas cada vez mais comuns para muitas famílias brasileiras, sobretudo as que vivem em áreas urbanas, que se afirmam racialmente como brancas e que estão nas faixas socioeconômicas mais elevadas. Não que isto seja um “mal menor” para quem mora em zonas rurais ou periféricas, para as famílias negras e/ou em situação de vulnerabilidade. Ao contrário, o contato excessivo de crianças e adolescentes com dispositivos tecnológicos digitais é uma questão que deve preocupar de modo amplo, mas quando o assunto envolve uso de telas por esses públicos é preciso, de início, considerar também as diferentes realidades. Afinal, tecnologia e internet não têm a ver com “outro mundo”, mas com o mundo em que vivemos todos os dias, com as suas contradições e desigualdades.

    Os próprios dados dão conta de evidenciar essas diferenças. Conforme a edição atual da pesquisa TIC Kids Online Brasil, tomando em conta a população entre 9 e 17 anos do País, 76% dos usuários das classes AB e 40% da classe C utilizam internet por meio de computadores. Nas classes DE, o índice é de 20%. Se o dispositivo para acesso à internet for um videogame, os percentuais são: 57% classes AB; 15% classe C; 10% classes DE.

    Mas se não ocultam as realidades diversas, os dados também não deixam dúvidas sobre como a problemática do contato excessivo com as telas é geral. Isto porque, de acordo com a mesma pesquisa:

    • 70% das crianças entre 9 e 10 anos e 71% das que têm entre 11 e 12 anos afirmam utilizar “todos os dias ou quase todos os dias” o Youtube;
    • 78% dos adolescentes entre 13 e 14 anos e 81% dos que têm entre 15 e 17 anos afirmam utilizar “várias vezes ao dia” o Instagram;
    • 45% do público entre 9 e 17 anos já têm perfil no TikTok e 63% possuem uma conta no Instagram.

    Esses números não permitem outra alternativa: o debate sobre a proteção das nossas crianças e adolescentes é uma tarefa prioritária dos nossos tempos. Devemos lembrar que, como estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, é um dever coletivo – famílias, comunidades, sociedade, poder público – assegurar, com prioridade absoluta, os direitos de crianças e adolescentes. E os direitos digitais, especialmente no contexto de expansão tecnológica que atravessamos, estão nesta seara.

    A obra audiovisual Adolescência, minissérie mais assistida no catálogo da Netflix e que tem sido objeto de discussões importantes em diferentes fóruns, faz o necessário alerta sobre a exposição de adolescentes à misoginia e ao machismo, que são ativados em momentos de rejeição ou frustração para violentar – e, como narrado na minissérie, até matar – meninas e mulheres.

    Se isto já é suficiente para colocarmos este tema como central em todos os ambientes, o estudo “The 4Cs: Classifying Online Risk to Children”, escrito por Sonia Livingstone e Mariy Stoilova revela que, lamentavelmente, o cenário envolve camadas bastante complexas e riscos múltiplos, sendo, portanto, ainda mais perigoso. As autoras demonstram que crianças e adolescentes podem se envolver ou ser expostas a conteúdos potencialmente danosos; que podem vivenciar ou serem alvos de contatos potencialmente danosos por adultos; que podem testemunhar, participar ou serem vítimas de condutas potencialmente danosas entre pares; e que podem ainda ser exploradas em contratos potencialmente danosos.

    Perseguição, comunicações racistas, ataques de ódio, cyberbulling, trollagem, chantagens, roubo de dados e de identidade, golpes, assédio e aliciamento sexual, tráfico para fins sexuais, exploração sexual infantil, manipulação ideológica, recrutamento extremista. É tristemente extensa a lista de práticas danosas e criminosas a que crianças e adolescentes estão expostos como potenciais vítimas.

    Guia sobre usos de dispositivos digitais

    Como demonstração de preocupação com este fenômeno, o governo federal lançou o documento “Crianças, adolescentes e telas – Guia sobre usos de dispositivos digitais”. A publicação reúne orientações voltadas a famílias, educadores e profissionais da saúde, com o objetivo de promover um uso mais equilibrado, seguro e consciente da tecnologia na infância e adolescência.

    Produzido por um grupo interdisciplinar de especialistas em saúde, educação, psicologia e tecnologia, incluindo o Intervozes, o guia traz recomendações baseadas em evidências científicas e experiências práticas no campo da infância e da juventude. A proposta é auxiliar adultos nos desafios cotidianos relacionados ao tempo de tela, aos conteúdos acessados e à proteção no ambiente digital.

    Limites por faixa etária e desenvolvimento saudável

    Entre os destaques do material estão as recomendações específicas por faixa etária. O guia orienta que crianças com menos de dois anos não tenham contato com telas, exceto em situações pontuais, como videochamadas com familiares. Já entre os dois e os cinco anos, o tempo máximo recomendado é de uma hora por dia, sempre com supervisão ativa dos adultos. Para adolescentes, o documento reforça a necessidade de equilíbrio entre o tempo online e atividades presenciais, especialmente aquelas que envolvem movimento, interação social e descanso adequado.

    Segundo o guia, o uso desregulado de telas pode trazer impactos significativos no desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças, afetando desde a linguagem e a atenção até o sono e a qualidade das interações familiares.

    Mais do que tempo: atenção ao conteúdo e ao exemplo dos adultos

    A publicação também faz um alerta sobre os riscos associados ao ambiente digital, como cyberbullying, exposição a conteúdos impróprios, desinformação e até dependência digital. Por isso, não basta limitar o tempo de uso: é fundamental que pais e responsáveis estejam atentos ao conteúdo acessado e mantenham um diálogo aberto com as crianças e adolescentes.

    Outro ponto importante trazido pelo guia é o exemplo dado pelos próprios adultos. A forma como pais, mães e cuidadores utilizam seus próprios dispositivos influencia diretamente os hábitos digitais dos mais jovens. “Não adianta dizer que é para largar o celular se o adulto está o tempo inteiro com os olhos na tela”, destaca o documento.

    Reforço ao uso pedagógico e à convivência offline

    Embora a tecnologia possa ser uma aliada na educação, o guia ressalta que seu uso deve ser feito com critério. O documento diferencia claramente o uso pedagógico e intencional das telas – por meio de aplicativos educativos ou conteúdos complementares ao currículo – do uso meramente recreativo ou passivo.

    O texto também incentiva que famílias e escolas valorizem brincadeiras físicas, o contato com a natureza e as atividades ao ar livre, que continuam sendo insubstituíveis para o desenvolvimento pleno das crianças.

    Recomendações prioritárias do guia:

    • Estabelecer limites e rotinas claras para o uso de dispositivos;
    • Evitar o uso de telas durante as refeições e antes de dormir;
    • Proteger a privacidade e os dados das crianças no ambiente digital;
    • Estimular o pensamento crítico sobre os conteúdos acessados;
    • Priorizar o convívio offline e a interação com outras crianças;

    O guia busca oferecer uma proposta orientadora para pais, professores e cuidadores diante dos dilemas trazidos pelas novas tecnologias. Mais do que proibir ou liberar o uso de telas, o foco está na mediação consciente e responsável, promovendo o bem-estar físico, mental e emocional das novas gerações.

    Não haverá proteção efetiva sem regulação do ambiente digital

    Ao mesmo tempo em que é importante reconhecermos a relevância do Guia, principalmente por seu potencial pedagógico, e de possibilidade de uso em diferentes contextos, cabe enfatizar que a proteção das crianças e adolescentes, e a promoção dos seus direitos, serão tarefas incompletas num ambiente digital em que as regras do jogo são determinadas pelos agentes econômicos do setor, que têm a permissividade com diversas violações de direitos como uma prática.

    Por isso, a regulação do ambiente digital é uma condição indispensável para que qualquer esforço educativo se torne realmente eficaz. Não se trata apenas de orientar as famílias ou de formar educadores, mas de enfrentar a lógica comercial que rege as grandes plataformas digitais, cujo modelo de negócios frequentemente se baseia na coleta massiva de dados, na segmentação algorítmica e na retenção de atenção, muitas vezes por meio de práticas manipulativas e nocivas ao bem-estar de crianças e adolescentes.

    Organizações como o Intervozes e a Coalizão Direitos na Rede têm sido enfáticas ao denunciar que não há neutralidade no funcionamento das plataformas e que a suposta liberdade de escolha no uso das tecnologias esconde um ecossistema altamente assimétrico, em que o lucro das big techs depende da exploração intensiva de dados e da exposição constante a conteúdos.

    A defesa de uma regulação com foco nos direitos

    É urgente que o Brasil avance em uma regulação democrática da internet, com foco na proteção de grupos vulneráveis – entre eles, crianças e adolescentes.

    O atual cenário é de impunidade digital, em que as plataformas operam sem transparência sobre como moderam conteúdos, como coletam e utilizam dados e como direcionam informações a diferentes públicos. Em muitos casos, algoritmos amplificam discursos violentos ou conteúdos sensacionalistas porque estes geram mais cliques e mais lucro, mesmo que à custa do bem-estar e da saúde mental dos usuários mais jovens.

    Políticas públicas e responsabilidade compartilhada

    A regulação não pode ser confundida com censura, nem tampouco vista como uma ameaça à inovação. Ao contrário, trata-se de criar regras claras que obriguem as plataformas a respeitarem os direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, inclusive no ambiente digital.

    Além disso, o Estado brasileiro precisa investir ainda mais em políticas públicas de educação midiática e digital, fortalecendo a capacidade de crianças, adolescentes, famílias e educadores de compreenderem o funcionamento das tecnologias e tomarem decisões informadas sobre seu uso. Isso inclui, também, garantir acesso à internet de qualidade, segura e não discriminatória, especialmente em regiões e comunidades historicamente excluídas.

    O futuro digital das crianças em disputa

    A publicação do guia “Crianças, adolescentes e telas” é um passo importante. Mas a efetiva proteção dos jovens no mundo digital não se dará apenas com orientações individuais, mas sim com mudanças estruturais que enfrentem o poder concentrado das grandes corporações de tecnologia e coloquem os direitos humanos, e em especial os direitos da infância, no centro do debate.

    Sem isso, seguiremos delegando a responsabilidade da proteção a famílias e escolas que, sozinhas, não têm como competir com a engenharia persuasiva de plataformas construídas para capturar a atenção e moldar o comportamento dos usuários desde a primeira infância.

    Informações são do site Carta Capital, Clique aqui

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