O Relatório Justiça em Números 2025 (ano-base 2024), publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no fim de setembro revelou que o Supremo Tribunal Federal (STF) aumentou seus gastos em geral pelo segundo ano consecutivo. O aumento de 2023 para 2024 foi de 8,8%, alcançando R$ 908,63 milhões. Essa elevação nos custos, no entanto, não acompanhou no mesmo ritmo os casos solucionados na corte, que registrou crescimento de cerca de 6% no período. Em 2023 foram 81.844 processos concluídos e em 2024 foram 86.562 solucionados.
O mesmo relatório apontou falta de transparência na informação de gastos com pessoal, também conhecidos como “penduricalhos”, como diárias, viagens, indenizações, despesas com alimentação, saúde e auxílio-moradia. A Gazeta do Povo procurou o STF, mas até a publicação da reportagem não obteve retorno. O espaço segue aberto.
A título de comparação, os gastos do STF em 2024 foram superiores ao orçamento de sete dos 39 ministérios do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2024 (Igualdade Racial, Mulheres, turismo, Pesca e Aquicultura, Direitos Humanos e Cidadania e Esporte) e superiores a cerca de um terço dos orçamentos dos municípios brasileiros.
Isso porque, dos mais de R$ 908 milhões quase 40%, o equivalente a R$ 352,84 milhões, foi contabilizado como “outras despesas correntes” incluindo nesta relação os chamados benefícios com ministros e servidores, os “penduricalhos”.
Diferente de outras estruturas do Judiciário brasileiro que incluem essas despesas em “gastos com pessoal”, no STF esses benefícios não estão elencados como despesas com o funcionalismo. Na categoria específica “gastos com pessoal”, que envolve a folha de pagamento dos 11 ministros e de pouco mais de 1,2 mil servidores na estrutura em Brasília, os custos diretos aos cofres públicos em 2024 foram de R$ 513,49 milhões, o equivalente a 56,5% das despesas totais do STF.
O levantamento trouxe, pela primeira vez, uma seção específica dedicada aos números do Supremo, compilados a partir de fontes como o Portal de Transparência e Relatórios de Gestão e Atividades da própria Corte.
“Diferentemente da metodologia adotada para os demais segmentos que integram o Sistema de Estatística do Poder Judiciário (SIESPJ), nos gastos com pessoal do STF não estão contabilizados benefícios como auxílio alimentação e auxílio saúde, tampouco o pagamento de despesas em caráter eventual e indenizatório, como diárias, passagens e auxílio-moradia”, alerta o documento do CNJ.
Para especialistas, essas informações podem mascarar as reais despesas envolvendo os servidores e magistrados da Corte e não deixam claro quanto custa aos brasileiros cada gabinete, abrindo margem para aumento de benefícios sem a devida identificação e controle.
O constitucionalista André Marsiglia criticou a forma como o STF informa suas despesas, especialmente no que se refere a indenizações, diárias e benefícios pagos a ministros, juízes auxiliares e servidores. Segundo ele, excluir esses valores da categoria de gastos com pessoal compromete o princípio da transparência e distorce a percepção sobre o real peso das despesas do tribunal, sem que haja a possível identificação de quanto se gasta com os famosos “penduricalhos”.
“Não existe gasto maior, melhor ou pior. Tudo é gasto e tudo é pago com dinheiro público. Quando o STF retira indenizações, diárias e outros penduricalhos daquilo que chama de despesas com pessoal, passa a impressão falsa de que saem dos caixas menos do que realmente saiu em despesas com servidores”, afirmou Marsiglia.
Para o constitucionalista, esse tipo de metodologia não apenas esconde informações relevantes como pode ser caracterizado como “desinformação”. “É pior do que não divulgar os números. Isso fere o princípio da transparência e, na prática, equivale a uma burla, o que considero totalmente inconstitucional”, destacou.
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Quanto ganha cada ministro, o funcionalismo e os gastos do STF
No fim de 2024, o STF registrava em sua estrutura de pessoal um total de 1.227 integrantes, segundo o CNJ. O quadro era composto por 11 ministros ocupando os cargos mais elevados. No ano passado o salário-base de cada um deles estava fixado em R$ 44.008,52 – sem considerar os benefícios. Neste ano a folha foi reajustada para R$ 46.366,19, elevação de 5,4%, com correção acima da inflação, que em 2023 foi de 4,62%.
Há também 1.177 servidores com salários médios na faixa dos R$ 12 mil. Nesta categoria estão inclusos os servidores que, durante as sessões plenárias do STF auxiliam os ministros na colocação ou retirada da toga que tem salários de cerca de R$ 6,5 mil. Esses profissionais, conhecidos tradicionalmente como continuístas, também podem ser identificados como assistentes de plenário ou integrantes da equipe de cerimonial da Corte e também são responsáveis por garantir que o plenário esteja organizado antes do início das sessões.
Além deles, havia 39 juízes instrutores ou auxiliares designados para atuar na Corte que possuem salários que variam de R$ 14 mil a R$ 35 mil. Entre os servidores, a maioria — 999, o equivalente a 84,9% — ocupava cargos efetivos. Outros 125 (10,6%) estavam cedidos ao STF, 52 (4,4%) exerciam funções comissionadas sem vínculo efetivo e um servidor se encontrava em situação de lotação provisória.
Os R$ 513,49 milhões com pessoal representaram em 2024 um crescimento de 3,2% em relação aos gastos com funcionários do ano de 2023. As chamadas “outras despesas correntes”, à qual foram elencadas outras despesas com pessoal, tiveram forte impacto nas contas do tribunal. A soma dos R$ 352,84 milhões foi forçada pela elevação de 29,4% neste tipo de despesa, em comparação a 2023.
“Esse percentual de aumento precisa ser criteriosamente analisado, afinal de contas, aqui também estão gastos que se referem diretamente ao funcionalismo, como auxílio-moradia, viagens”, ressalta o economista, especialista em Gestão Pública, Rui São Pedro.
Por outro lado, os investimentos representaram a menor fatia do orçamento em 2024 e apresentaram queda, na comparação com 2023, de 34,4% somando R$ 42,31 milhões. Não há especificações no relatório quais são esses investimentos.
“Para garantir mais transparência, o correto seria incluir os dados que se referem a pessoal diretamente nos gastos com profissionais e não em outras despesas correntes. Isso afeta a leitura dos números e não revela com eficácia e transparência quanto cada servidor custa efetivamente”, completa o economista. O especialista avalia que a forma como o STF classifica parte de suas despesas compromete a transparência e mascara o real volume de recursos gastos pela Corte e seus integrantes.
Segundo ele, ao incluir benefícios como auxílios, diárias e indenizações na categoria de “outras despesas correntes”, o STF acaba ocultando o peso desses custos na folha de pessoal. “Esses dados, quando não são tratados com clareza, mascaram o total de gastos e acabam criando mecanismos, no futuro, para justificar novos aumentos de auxílios, inclusive para juízes e ministros sem que se insiram a tetos de gastos com pessoal”, afirmou.









