Desde a transição para o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, tem sido alvo de críticas por excessos de exposição, quebras de protocolo em cerimônias oficiais, atuações não previstas para seu papel institucional e, ainda, despesas públicas controversas.
Inicialmente visto como gerador de fatos constrangedores brotados pelo desejo de protagonismo, o comportamento de Janja galgou relevância no sábado (16) após ela insultar o bilionário Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter) e futuro integrante da nova gestão do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
Durante painel do G20 Social, evento paralelo ao encontro de cúpula no Rio de Janeiro, Janja defendeu a regulação das redes sociais para conter a desinformação. Ao ser interrompida por uma buzina de navio, brincou: “Acho que é o Elon Musk”, e acrescentou: “Eu não tenho medo de você, inclusive… Fuck you, Elon Musk!”
O xingamento gerou repercussão imediata, com Musk respondendo na plataforma X com emojis de risada e afirmando: “Vão perder as próximas eleições”. Ele ainda levou parlamentares da oposição a questionarem oficialmente governo e órgãos de controle sobre impactos diplomáticos e financeiros de eventos liderados por Janja.
Após pedido da oposição, TCU vai investigar gastos com o Janjapalooza
Deputados pediram ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) investigações sobre gastos públicos relacionados ao “Festival de Cultura Aliança Global contra Fome e a Pobreza”, apelidado de Janjapalooza. Antes disso, viagens internacionais de Janja foram alvo de questionamentos.
O TCU abriu investigação, a pedido dos deputados Sanderson (PL-RS) e Gustavo Gayer (PL-GO), para apurar a legalidade dos gastos com o Janjapalooza, ao custo de R$ 33 milhões. Os parlamentares alegam possível violação de princípios como legalidade, eficiência e moralidade, criticando despesas com cachês artísticos em meio à crise fiscal. Segundo Sanderson, “não é admissível usar recursos públicos de forma questionável, sobretudo em momento que exige austeridade”.
O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) solicitou a convocação do chanceler Mauro Vieira para explicar possíveis impactos diplomáticos da fala de Janja contra Musk. O parlamentar destacou que declarações do governo brasileiro, mesmo pessoais, podem prejudicar cooperações estratégicas.
Além disso, moções de repúdio contra a fala de Janja foram protocoladas pelos deputados Evair Vieira de Melo (PP-ES) e Zé Trovão (PL-SC). O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) qualificaram o episódio como “mais um incidente diplomático” do governo Lula.
Regulação das redes e taxação de super-ricos fazem de Musk alvo do casal Lula
Elon Musk representa um antagonista direto a temas centrais para Lula e Janja, como a regulamentação das plataformas digitais e a taxação dos super-ricos, áreas nas quais o bilionário é uma figura de destaque. Sua proximidade com políticos conservadores e os embates com o Judiciário brasileiro intensificam a tensão com o casal presidencial.
Em agosto, a plataforma X foi suspensa no Brasil por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em razão do descumprimento de medidas judiciais. Durante um evento paralelo ao G20, Janja se referiu a Moraes como um “grande parceiro” no enfrentamento de opositores nas redes sociais.
Especialista alerta para necessidade de Janja não confundir seu papel no governo
Marcus Deois, diretor da consultoria política Ética, avalia que Janja percebeu logo o excesso cometido ao defender regulação das redes sociais com ataque público a Musk. “Ao insistir na narrativa, perdeu de vista o papel simbólico que exerce como esposa do presidente da República, tratando o evento internacional como conversa informal entre amigos. Não se pode nem misturar as estações”, disse.
Deois observa que, por não ter mandato popular nem exercer funções oficiais no governo, o protagonismo assumido por Janja provoca desconforto em aliados de Lula e até ciúmes em líderes próximos ao presidente.
“A primeira-dama tem ocupado espaços estratégicos em debates culturais e em pautas caras à esquerda, mas precisa ajustar o discurso para construir pontes em vez de gerar conflitos. O episódio com Musk invadiu um campo que só a diplomacia pode manejar”, anotou.
Segundo informações de bastidores, o que mais irritou o entorno de Lula com as falas infelizes de Janja durante o G20 não foi tanto a repercussão da ofensa na política externa. Apesar de o insulto ser visto como potencial problema diplomático, diplomatas acreditam que o impacto nas relações entre os dois países é contornável. A verdadeira frustração foi o fato de que as declarações da primeira-dama ofuscaram o ato final do G20 Social, planejado para destacar o legado da presidência brasileira do fórum com foco no combate à fome e à desigualdade.
O desconforto interno foi tão grande que Lula, pela primeira vez, corrigiu Janja publicamente, afirmando: “Não temos que xingar ninguém.” Embora sempre tenha defendido o papel ativo da primeira-dama como conselheira, ele precisou agir.
Em poucos minutos, ela insultou Musk sem justificativa, chamou de “bestão” o homem que se suicidou em frente ao STF na semana passada e, em outro painel, respondeu de forma áspera a uma mulher da plateia que mencionou o “Janjapalooza”, corrigindo-a: “Não, filha, é aliança global contra a fome e a pobreza. Vamos ver se consegue entender a mensagem, tá?”.
Janja não pede desculpas a Musk e ainda cobra gabinete e agenda no Planalto
Apesar da última controvérsia, envolvendo Musk, Janja não fez qualquer pedido de desculpas ou reparo, segue a mesma postura e até renovou, em entrevista à CNN Brasil, sua demanda por maior estrutura dentro do governo para desempenhar funções, incluindo criação de gabinete próprio e uma agenda institucional.
Os eventos públicos, com ou sem Lula, e reformas no terceiro andar do Palácio do Planalto para acomodá-la melhor, foram insuficientes.
Em julho, deputados do Novo solicitaram esclarecimentos sobre gastos de Janja e sua comitiva durante participação na abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, na qual representou Lula. A primeira-dama é citada em obras e compras luxuosas para a sede e a residência da Presidência e até na decisão por um novo avião presidencial.
“Depois de ofuscar o G20 com extravagância de um festival e deselegância em suas falas, Janja estimula o governo a gastar mais de R$ 1,4 bilhão em um novo Aerolula. Quer mesmo combater a fome?”, questiona o senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Especialista aposta em candidatura de Janja a deputada federal em 2026
Antônio Flávio Testa, professor de ciência política, avalia que as últimas polêmicas envolvendo Janja ainda refletem “seu deslumbramento com o status de primeira-dama, embora ela não se comporte como tal”. Ele destaca as postagens dela em redes sociais em tom informal e tentativa de ganhar visibilidade em fotos oficiais e em visitas a áreas afetadas por calamidades, como no Rio Grande do Sul.
“Ao insultar Musk, Janja só reforçou uma imagem que até a mídia favorável ao governo tende a desprezar. Com essa atitude, a primeira-dama se consagra como personagem menor em comparação às mulheres de outros líderes mundiais. A baixa repercussão do Janjapalooza também sepulta suas ambições de se projetar internacionalmente. Em 2026, ela deve sair candidata a deputada federal pelo PT”, prevê.
Para Testa, o G20 foi ofuscado por questões internas, como o ataque de criminosos ao Exército, o roubo de um carro oficial e a falta de respaldo unânime ao discurso de combate à fome. Ele também considera a visita do presidente americano Joe Biden à Amazônia mal explicada em termos de intenções estratégicas.
Sobre as relações com Trump, Testa acredita que serão tensas, não só pelo episódio de Janja sobre Musk, mas pelo tratamento do Judiciário brasileiro aos seus críticos. “Se Trump e seu futuro secretário de Estado, Marco Rubio, cumprirem suas promessas, as relações bilaterais devem ser profundamente revisadas”, conclui.