Em vez de apostar em um disco-tributo, uma vez que muitos artistas fazem em datas comemorativas, Dori Caymmi optou por lançar um álbum de inéditas aos 80 anos.
“A maioria das pessoas está fazendo isso. É voga. Mas não tenho essa quantidade de sucessos que alguns compositores possuem para reler minha obra”, afirma.
Dori gosta de inventar, e sua obstinação cria ainda mais possibilidades para apresentar trabalhos originais.
Prosa e Papo (Biscoito fino), novo álbum do compositor, cantor e arranjador, tem 11 canções, oito delas inéditas – as outras três são do disco que lançou com Mônica Salmaso, Esquina Sedutor (2022).
O disco tem as participações da própria Salmaso e de Joyce Trigueiro, MPB4, Zé Renato, Renato Braz e João Cavalcanti. A produção é de Jorge Helder.
Nove canções do disco são da parceria de Dori com Paulo César Pinho. Os dois compõem juntos há mais de 50 anos.
“Ele é meu compadre, uma pessoa querida. É um poeta que fala uma vez que pernambucano, uma vez que baiano, uma vez que mineiro. Tem uma cultura regional impressionante. Ele é meu parceiro de cabeceira. Meus dois irmãos são Danilo (Caymmi) e Paulo César Pinho.”
O novo trabalho tem reminiscências da puerícia de Dori. “São coisas que meu pai (Dorival Caymmi) dizia e que marcaram a minha vida. Ele falava muito: ‘carrapicho é mato, carrapato é bicho’. Aí falei com Paulo César: ‘vamos fazer uma letra com esse contraste’. Ficou lindíssima.”
A melodia virou a faixa-título: Prosa e Papo. “Um dos versos de que palato muito é quando diz ‘candidato é sujo, sufragista é pato’”, comenta.
Outra música do álbum que vem das memórias de puerícia é Rente. “A letra saiu de uma frase que o velho dizia, quando a gente estava aporrinhando ele: ‘entre por onde saiu e faça de conta que nunca me viu’. Logo, pedi ao Paulinho (César Pinho) uma letra e eu musiquei.”
Apesar disso, Dori conta que Dorival era jovial.
Roberto Gigio, compositor em subida e genro de Paulo César Pinho, assina com Dori duas músicas no disco. Uma delas homenageia Mercedes Sosa. “É uma cantora que me impressionou sempre. Nunca vi uma mulher com tanta personalidade. O Roberto divide esse paixão que a gente tem por ela. Tinha muita pasmo pelo trabalho dela”, diz Caymmi.
Outra fita da dupla Dori-PC Pinho é Um Carioca Vive Morrendo de Paixão. “Pedi a ele para fazer sobre o Rio de Janeiro. A gente sempre falou da cidade com muita tristeza nos últimos anos. Logo, disse para o Paulo César que tem que fazer uma música mais otimista.”
O músico, aliás, diz ter feito um disco otimista depois de muitos anos. Isso, porém, não tirou a oportunidade de fazer críticas à produção músico atual.
“A música brasileira subiu no caminhão. Ela está no trio elétrico, entretenimento, muito bailarino, que lembra o Michael Jackson, referto de dançarino”, avalia. “As pessoas não estão mais a termo de parar para ouvir música. A gente não tem mais esse público. A internet trouxe uma perda de identidade muito grande.”
“Sou muito brasiliano. Acredito no Noel (Rosa), no Ari (Barroso), no Tom Jobim, no meu pai, no Pixinguinha, no Braguinha. Sabor dessas pessoas.”