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    Invisibilidade quilombola expõe contradições da COP30 – Daniel Camargos – CartaCapital

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    Antes mesmo de começar, a 30ª Conferência Mundial do Clima das Nações Unidas, marcada para novembro em Belém (PA), já repete práticas antigas de exclusão ao ignorar, nas decisões centrais do evento, a participação das comunidades quilombolas.

    Eles não foram mencionados na proposta inicial da presidência da COP30 para o “círculo de liderança” — iniciativa voltada à ampliação da participação popular. A omissão segue uma política estrutural de invisibilidade das populações tradicionais negras, mesmo com um contingente de mais de 1,3 milhão de pessoas espalhadas por cerca de sete mil comunidades no país.

    “A invisibilidade climática dos povos quilombolas reflete o desrespeito às práticas sustentáveis que, por séculos, contribuíram para preservar a biodiversidade”, afirma a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, a Conaq, em carta aberta.

    A exclusão foi interpretada como desrespeito às práticas tradicionais e ao conhecimento acumulado na preservação ambiental. A Conaq exigiu participação efetiva nas negociações climáticas, com reconhecimento formal de seus direitos territoriais e tratamento igualitário como povos da floresta e das águas. “Nossa voz assegurará que as nossas demandas sejam conhecidas e debatidas de forma planejada e coordenada”, afirma a Conaq.

    Após a repercussão, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, reconheceu a falha em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. “Lamento muito que tenha faltado”, disse.

    O reconhecimento tardio denota um padrão: vozes negras e tradicionais só são ouvidas após protestos — nunca durante as decisões. A exclusão quilombola do debate climático também se manifesta na repressão aos seus movimentos.

    Na ilha de Marajó, no Pará, estado que sediará a COP30, uma manifestação pacífica contra o aumento das tarifas do transporte hidroviário terminou em violência. A Polícia Militar lançou bombas de efeito moral em residências e em uma escola infantil. Também foram usadas balas de borracha e spray de pimenta.

    O Grupo da Juventude Negra Quilombola Abayomi do Marajó divulgou uma nota após o ocorrido: “Como falar em sustentabilidade e justiça climática se a população quilombola, que há séculos protege suas terras, é tratada com violência e desprezo?”

    Segundo estudo do MapBiomas, 95% da vegetação nativa foi preservada nos territórios quilombolas nas últimas quatro décadas. A perda foi de apenas 4,7% entre 1985 e 2022 — índice bem inferior aos 17% registrados em áreas privadas.

    Apesar disso, quase todos esses territórios enfrentam algum tipo de ameaça: grilagem, mineração, monocultura ou negligência do próprio Estado.

    No último mês, publiquei três reportagens na Repórter Brasil sobre a expansão de mineradoras e siderúrgicas sobre seus territórios.

    Em Piatã, na Bahia, as comunidades de Bocaina e Mocó sofrem com os impactos da mineradora inglesa Brazil Iron. Explosões na fase de pesquisa de uma mina de minério de ferro racharam casas e contaminam nascentes.

    Além disso, a CBPM (Companhia Baiana de Pesquisa Mineral), estatal do governo baiano, alinhou-se à mineradora e chegou a pedir apoio ao Itamaraty, alegando que uma ação judicial movida por quilombolas no Reino Unido colocaria em risco os investimentos estrangeiros na Bahia. Mesmo argumento do presidente da CBPM, que é testemunha da empresa na ação judicial.

    As iniciativas não tiveram êxito. A Justiça britânica autorizou o prosseguimento da ação movida pelos quilombolas contra a empresa inglesa.

    No Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, a monocultura de eucalipto da Aperam, maior produtora de aço inox da América Latina, altera a paisagem e compromete o acesso à água.

    A quilombola Salete Cordeiro relata dificuldades severas causadas pela escassez hídrica. O córrego que passava perto da horta desapareceu. Muitas famílias abandonaram a agricultura. As que permaneceram dependem de cisternas e caminhões-pipa.

    Salete hoje utiliza a água de um poço artesiano na casa da irmã. Moradores e pesquisadores atribuem a falta de água às plantações de eucalipto da empresa, que secaram nascentes.

    Um estudo indicou que a substituição da vegetação nativa reduziu em 31 milhões de metros cúbicos por ano a recarga dos lençóis freáticos. O nível da água baixou 4,5 metros em quatro décadas.

    João Gomes de Azevedo, de 85 anos, morador da comunidade de Poço D’Água, compôs uma trova sobre a escassez provocada pelo avanço do eucalipto. Uma canção triste, feita por quem vê a água sumir da terra e da memória.

    Enquanto isso, a Aperam se promove como produtora de “aço verde” e vende créditos de carbono em uma plataforma da Nasdaq.

    Ainda em Minas, a comunidade de Santa Quitéria, na histórica Congonhas, está perdendo suas terras para a mineração. O governo de Romeu Zema (Novo) autorizou a desapropriação de 261 hectares a pedido da CSN. Parte da área, destinada à deposição de rejeitos, está a menos de 100 metros das casas da comunidade, que busca reconhecimento oficial como quilombola.

    Moradores lembram da remoção de mais de cem famílias no bairro Plataforma, entre 2006 e 2008, para uma usina da CSN que nunca foi construída. “O bairro virou fantasma. Sem escola, sem infraestrutura. Ficamos cercados pelo minério”, relatou uma moradora.

    Outros casos de violações estão espalhados pelo país. No Tocantins, a mineradora Aura Minerals iniciou a exploração de ouro em Almas com base em um estudo ambiental feito pela Vale há mais de uma década. O documento ignorava quatro comunidades quilombolas da região.

    O mesmo ocorre em Alcântara, no Maranhão. A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por violar os direitos de 171 comunidades quilombolas deslocadas à força entre 1986 e 1987, durante a instalação do Centro de Lançamento de Foguetes.

    A sentença deferida no mês passado responsabilizou o Estado brasileiro por não garantir os direitos à terra, moradia, alimentação, autodeterminação e consulta prévia. Mesmo após o pedido público de desculpas e a criação de um grupo interministerial, o processo de titulação dos 78 mil hectares segue inconcluso.

    A morosidade do Estado só agrava o quadro. O Brasil reconhece oficialmente somente 494 quilombos, com 167.202 moradores. Destes, apenas 147 receberam a titulação, apesar de a Constituição garantir o direito à propriedade de suas terras.

    Não haverá justiça climática sem justiça territorial. Não haverá futuro sustentável com as vozes que cuidam da terra há séculos silenciadas. A COP30, se persistir por esse caminho, será apenas mais um palco de promessas vazias — enquanto a vida real, nos territórios, segue marcada por violações, violência e apagamento.

    Ignorar os povos quilombolas na construção da COP30 é mais do que um erro: é uma escolha política que reforça o racismo ambiental e perpetua a lógica colonial que moldou o Brasil.

    Informações são do site Carta Capital, Clique aqui

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